Para o mercado, Lula calado é um poeta
"Lula quer deixar bem claro para a sociedade o que é desigualdade e quem são os responsáveis por ela", escreve a colunista Denise Assis
Luiz Inácio Lula da Silva e o mercado financeiro (Foto: Stuckert | Reuters)
“Mercado já vê possibilidade de alta nos juros por causa do dólar”. Pronto. Com a ameaça explícita já consideram que conseguirão abrandar o Lula.
E apelam. A chamada: “Lula ouve conselhos dos economistas de Dilma”, só faltou vir seguida por aquela palavra de ordem das manifestações de 2016: “Ai, ai, ai, ai! Empurra o Lula que ele cai”.
Sim, meus senhores. É disso que se trata. Nada de mania de conspiração, golpe. Nada mais “dépassé” do que as imagens recentes da praça Murillo, na Bolívia. Aquele desfile de blindados, tendo à frente um general com o peito coberto de medalhas douradas... Claro que não dá certo. Cai no ridículo.
O mundo mudou. O apagamento dos líderes de governo agora se dá pelo esvaziamento de sua pauta, pela desqualificação do seu trabalho e da ocupação dos nacos do seu poder.
Método infalível. Deu certo com Rafael Corrêa; Zelaya; Fernando Lugo, Dilma... A queda acontece por vias do judiciário, ou pela impugnação do processo eleitoral. O que não falta são as desculpas esfarrapadas. Aqui, pelo que se nota, a ideia não é nem sequer tirar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva do cargo. Não precisa. O país está bastante machucado pelo processo doloroso dos últimos anos. Deixa quieto. Vamos fazer com que ele pense que está governando, devem dizer entre si, os senhores do tal “mercado” ...
O plano é tentar torcer a pauta econômica a tal ponto que ela se transforme no projeto neoliberal que faliu em todo o mundo, deixando espaço para o avanço da ultradireita, mas aqui ainda faz sucesso. Assim, eles (os do mercado) ocupam o poder sem serem os titulares de fato, ou terem vencido a eleição, com projeto oposto.
Na semana que passou e até o início desta, nós vimos a tropa de choque dos “papais” do Real desfiarem – a título de comorar os 30 anos da moeda - comentários autorreferenciais que tinham uma única fórmula: primeiro dizer: “eu estava lá”. Em seguida: “tudo deu certo porque seguimos a cartilha do Consenso de Washington”. Para finalizar com a cantilena: “mas se não houver ajuste fiscal...”
Há nos grotões do sertão mineiro uma máxima que diz: “dê na cangalha para o burro entender”. Traduzindo: se não quer escancarar o discurso e as críticas, mande indiretas. E foi assim um desfiar sem fim de “verdes” para colher “maduro”. Nesse caso específico, “podres”. A ênfase no “parabéns para você” era mera desculpa para dar relhada no lombo do presidente, a fim de fazê-lo calar.
Sabem por quê? Lula desnudou para o andar de baixo como funciona a “caixa preta” do mundo financeiro, desenhando para os pobres e remediados o caminho que toma o seu dinheiro no pagamento dos impostos e na estagnação dos seus salários (exigência dos doutos do arrocho fiscal). Lula trouxe para o motorista de táxi, a pauta da sabotagem do Banco Central. Apontou o dedo para a chantagem grotesca de Roberto Campos Neto, que parecia dizer a cada declaração – e como fala esse presidente do BC! – ou para de dar aumento para essa gente, tira um naco dos aposentados e dos deficientes, ou os juros vão para a estratosfera, levando junto o dólar e o sucesso da sua economia, Lula! Bem ao estilo de vilão de desenho animado.
Acontece que Lula tem método e uma pauta de governo e não se dobrou. Pelo contrário. Ele sabe que ao ensinar economia ao povão, ele o terá ao seu lado. Lula quer deixar bem claro para a sociedade o que é desigualdade e quem são os responsáveis por ela. O povo sabe, sente na carne, mas não tinha tão nítido como agora, os motivos do seu sofrimento, e por que ralo escoam os seus parcos ganhos.
Ao perceberem o quão subversivo poderia ser esse discurso de Lula, querem lacrar a sua boca com fita crepe. Sabem que as falas do presidente é clara e didática e estava sendo perfeitamente compreendida. Lula é eficiente, na Comunicação. Tomou a si essa pauta e saiu espalhando a boa nova: para cima do trabalhador, não. Foi eleito para isso. E quem está em seu governo com o pé em cada canoa que trate de se equilibrar, parecia dizer.
Os papais do Real entraram em pânico. Deitaram falação. Certamente, lembrando que quando a raia miúda se apropria de um discurso ele ganha as ruas tal como um diabo que saiu da garrafa.
E eles haverão de se lembrar uma outra lição de economia que chegou aos táxis e aos balcões de padaria, quando Fernando Henrique - ele mesmo, o que toma para si o Real -, lançou para o populacho a boataria: “o risco Brasil”. Pobre que nunca tinha ouvido falar dele, começou a discutir o tal “risco”, que traduzindo seria: se o Lula ganhasse a eleição (de 2002, contra José Serra, correligionário de FHC), os investidores internacionais tirariam o dinheiro do país, indo investir em outro terreiro. Só que Fernando Henrique errou no cálculo. Soltou o balão cedo demais e provocou uma evasão de divisas imediata de tamanha magnitude, que mal conseguiu terminar o governo, aos trambolhões com a falta de investidores. E olha que FHC nem era tão bom de Comunicação feito o Lula.
Foi isso o que apavorou o “mercado”. Eles conheceram ali a força da boataria que toma conta do povo, quando ele começa a entender o que é “risco Brasil” e o que é “alta dos juros”. E, o pior: desta vez a ameaça tinha uma cara, nome e CPF: Roberto Campos Neto.
Aperta daqui, aperta dali, eis que conseguem arrancar do ministro da Fazenda – o “do bem” -, no entender deles, (crentes que Haddad pode aderir), de que havia ruídos na Comunicação. Enfim! Alguém puxou as orelhas de Lula! Leram eles. Bastou para o dólar cair do patamar de US$ 5,66, acenando, enfim, para uma redução. O aumento já atingia 16% nos últimos meses, pois a alta não se devia, como deve, das incertezas na eleição estadunidense, na elevação dos juros de lá.
Do alto da torre do BC, Bob não parecia querer intervir no mercado promovendo leilão de parte das nossas reservas, como fez nos tempos de Paulo Guedes (rifou perto de US$ 70 bilhões), para a costumeira redução, da moeda. Nem a troco de Lula se calar.
Houve quem argumentasse de modo absurdo, que Campos Neto podia falar, pois sua fala era técnica. Lula não. Falava politicamente, empurrando o dólar.
Na terça-feira – também conhecida como ontem 02/07-, o dólar comercial voltou a subir, atingindo R$ 5,70 na máxima do dia, encerrando ainda em alta de 0,22%, a R$ 5,66. Foi o quanto bastou para insinuarem que a persistente valorização da moeda americana vinha puxando a curva dos juros futuros, levando o BC a apostar que terá de elevar a taxa básica de juros (Selic), hoje em 10,5% ao ano, para conter a inflação.
Para "analistas" – leia-se banqueiros e donos de corretoras -, não há horizonte de queda do dólar se Lula não baixar o tom e falar em controle fiscal. Mas nós sabemos que o controle que se quer é mesmo o da agenda de Lula. O presidente calado, para eles, é um poeta e sinal de lucro certo.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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