Para PGR, direito do trabalhador receber por horas de deslocamento pode ser regulado por convenção coletiva

Tema está em debate no STF; Aras defende que tese de repercussão geral seja delimitada para evitar supressão de direitos constitucionais

MPF/Foto: Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF
Publicada em 18 de maio de 2022 às 16:59
Para PGR, direito do trabalhador receber por horas de deslocamento pode ser regulado por convenção coletiva

Em memorial enviado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende a validade de cláusula de norma coletiva de trabalho que reduz ou suprime o direito dos trabalhadores de serem remunerados pelas chamadas horas in itinere – tempo de deslocamento do empregado até o local de trabalho e o seu retorno para casa. A regra vale para casos registrados antes da vigência da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). O PGR explica que as horas de deslocamento são distintas daquelas de efetivo trabalho, diante de menor exposição à fadiga e da menor incidência do poder diretivo do empregador. Por isso, podem ser objeto de “pactuação de instrumento coletivo destinado a celebrar avença a seu respeito”.

O tema está em debate no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.121.633/GO, incluído na pauta de julgamentos do STF desta quarta-feira (18). O recurso é representativo do Tema 1.046 da Sistemática de Repercussão Geral, que trata da validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado na Constituição. No documento enviado aos ministros, o procurador-geral reitera manifestação para que a fixação da tese restrinja-se ao caso concreto discutido no ARE, relativo às horas de deslocamento, e ao lapso temporal demarcado.

De acordo com o PGR, essa delimitação é necessária porque o rol de matérias sujeitas à negociação coletiva é complexo e é impactado pela interpretação, em cada tema, de sua previsão constitucional. Nesse sentido, alerta que a fixação de tese demasiadamente abstrata pode permitir amplo escopo de restrição de direitos trabalhistas em instrumentos coletivos, “comprometendo a harmonização do princípio da autonomia privada negocial coletiva e de direitos de patamar constitucional, que, por sua natureza, são indisponíveis para supressão ou restrição, mesmo em norma coletiva”.

Como consequência da fixação de tese abrangente, Aras cita o aumento da litigiosidade no STF, em vez da pacificação da questão. Ou seja, o debate que deve ocorrer de forma densa e ampla na fixação de teses em recursos extraordinários passaria a ocorrer no âmbito de reclamações, com base na tese fixada pela Suprema Corte. O PGR cita, como exemplo, controvérsias acerca da redução da cota de aprendizagem por norma coletiva, da redução da cota de pessoa com deficiência para empresas por instrumento coletivo, e da possibilidade de norma coletiva para definir grau de insalubridade ou periculosidade para fins de pagamento de adicional.

Pausas na jornada – Outro tema levado ao STF foi o tratado na Reclamação (RCL) 52.468, que busca o sobrestamento de processos relativos à possibilidade de flexibilização das pausas durante a jornada de trabalho. O pedido de suspensão foi apresentado por empregador condenado em ação civil pública por não cumprir os intervalos estipulados para descanso. A alegação é de que o caso teria relação com o Tema 1.046.

De acordo com o procurador-geral, a demanda não deve ser atendida. O entendimento é de que a discussão na referida ação gira em torno da possibilidade de cláusula coletiva suprimir direito assegurado na Constituição Federal. Para o PGR, trata-se de matéria que afeta a condição física e mental do trabalhador, ou seja, normas de saúde garantidas constitucionalmente. Conclui, assim, que não existe aderência estrita entre o ato reclamado pelo empregador e o pronunciamento do STF apontado como parâmetro, não cabendo, portanto, o sobrestamento da ação.

Seguindo esse entendimento, no memorial enviado aos ministros do Supremo, no caso de a Corte entender pela possibilidade de fixar tese de repercussão geral genérica, o procurador-geral destaca a necessidade de se resguardar os direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal, que não podem ser negociados coletivamente, ainda que sua regulamentação esteja prevista em norma infraconstitucional. “A ressalva é plausível de consideração, porquanto admitir a flexibilização, por norma coletiva, de direito constitucional disciplinado infraconstitucionalmente, permitiria a redução ou o próprio esvaziamento do direito fundamental, pela via negocial privada”, frisa.

Dessa forma, o PGR sugere a seguinte tese de repercussão geral genérica: “À exceção dos direitos trabalhistas absolutamente indisponíveis assegurados por normas constitucionais, tais como as normas relativas à saúde, higiene e segurança no trabalho (artigo 7º, XXII, da CF), as convenções e os acordos coletivos de trabalho podem admitir redução ou supressão de direitos, conforme o princípio da autonomia privada negocial coletiva (artigo 7º, VI, XIII, XIV e XXVI)”.


Íntegras
Memorial no ARE 1.121.633/GO
Manifestação na RCL 52.468

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