Para PGR, lei paulista que homenageia personagem da ditadura militar é inconstitucional
Elizeta Ramos afirma que medida vai contra o regime democrático e que ADPF não é instrumento jurídico correto para tal questionamento
Qualquer ato estatal que enalteça o autoritarismo é contrário à gênese do regime democrático e merece o mais veemente repúdio. É o que defende a procuradora-geral da República em exercício, Elizeta Ramos, ao opinar pela invalidação de lei do estado de São Paulo que homenageou personagem da ditadura militar brasileira ao batizar via pública com seu nome. A Lei estadual 17.700/2023 nomeou de Deputado Erasmo Dias um trecho da Rodovia Paraguaçu Paulista e tornou-se objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.430. No processo, partidos políticos e entidades da sociedade civil destacam que a medida afrontou preceitos constitucionais como o da dignidade humana e o princípio democrático.
Antônio Erasmo Dias foi coronel da reserva do Exército, atuou como secretário de Estado de Segurança Pública de São Paulo durante o regime militar e exerceu três mandatos de deputado estadual, entre 1987 e 1995. Segundo os autores da ação, Dias teria cometido uma série de delitos durante a ditadura, entre eles, tortura psicológica contra presos políticos, repressão política e proteção aos crimes cometidos por policiais. Em 1977, ainda teria comandado ataque ao campus da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) que deixou dezenas de feridos e centenas de presos. Os dados constam no Relatório da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo.
Em parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), Elizeta Ramos destaca trecho de legislação do estado de São Paulo que reserva homenagens a personalidades em vias e logradouros públicos àqueles que tenham prestado serviços relevantes à sociedade, ao país ou à humanidade (Lei estadual 14.707/2012). No entanto, para a PGR, ainda que se considerem os feitos de Erasmo Dias como militar do Exército Brasileiro e, posteriormente, parlamentar, não há como separar sua trajetória de vida ligada aos atos antidemocráticos praticados durante o regime totalitário. A homenagem “significa perenizar a memória de momento tormentoso da história brasileira e, em consequência disso, enaltecer, mesmo que de forma simbólica, o autoritarismo. E democracia não convive com autoritarismo”, afirma.
A procuradora-geral esclarece que o Legislativo e o Executivo não podem, por meio de ato normativo ou lei, enaltecer condutas criminosas ou glorificar valores absolutamente contrários ao Estado Democrático de Direito. Para a PGR, ainda que de forma simbólica, a medida foge do campo da discricionariedade política. “O regime democrático é valor-fonte sobre o qual repousam o Estado de Direito, o postulado republicano e os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988", ressalta Elizeta Ramos.
Análise técnica – Na manifestação, a procuradora-geral da República opina pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela procedência do pedido. Isso porque, segundo ela, a ação direta funciona como instrumento jurídico voltado ao controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, não sendo possível utilizá-la para questionar normas de caráter concreto e singular sem generalidade e abstração, como a Lei 17.700/2023, de São Paulo.
Elizeta Ramos observa, ainda, que não há como converter a ação em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), como sugerem os autores, na hipótese de não conhecimento da ADI. “O art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999 afasta a admissão da ADPF sempre que houver outro meio eficaz de sanar a lesividade. Trata-se do princípio da subsidiariedade”, lembra a PGR no parecer.
Por se tratar de ato normativo de conteúdo materialmente administrativo, de efeitos concretos e sujeito determinado, a procuradora-geral da República ressalta que a legislação paulista deve ser questionada pelas vias ordinárias cabíveis, como a ação civil pública ou a ação popular.
Íntegra da manifestação na ADI 7.430
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