Reclamação não é via adequada para controle de aplicação de tese de recurso repetitivo, decide Corte Especial
Para a fixação da tese, formada por maioria de votos, a corte levou em consideração as modificações introduzidas no CPC pela Lei 13.256/2016, que buscou pôr fim na possibilidade de reclamação dirigida ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas
Em interpretação do artigo 988 do Código de Processo Civil de 2015, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu entendimento no sentido de que a reclamação é incabível para o controle da aplicação, pelos tribunais, de precedente qualificado do STJ adotado em julgamento de recursos especiais repetitivos.
Para a fixação da tese, formada por maioria de votos, a corte levou em consideração as modificações introduzidas no CPC pela Lei 13.256/2016, que buscou pôr fim na possibilidade de reclamação dirigida ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas.
Além disso, o colegiado considerou a própria dinâmica do sistema de julgamento de precedentes qualificados, no qual os tribunais superiores definem as teses que devem ser seguidas e aplicadas pelas instâncias ordinárias, de forma que seria indevido o uso da reclamação – ação autônoma que inaugura nova relação processual – em vez do sistema recursal, ressalvada a via excepcional da ação rescisória.
Segundo a relatora da reclamação julgada pela Corte Especial, ministra Nancy Andrighi, caso fosse permitido o processamento desse tipo de ação nas hipóteses de suposto erro ou aplicação indevida de precedente repetitivo, "para além de definir a tese jurídica, também incumbiria a este STJ o controle da sua aplicação individualizada em cada caso concreto, em franco descompasso com a função constitucional do tribunal e com sério risco de comprometimento da celeridade e da qualidade da prestação jurisdicional que aqui se outorga".
Ações ou indenização
A reclamação teve origem em cumprimento individual de sentença coletiva contra a Telefônica Brasil S.A., que foi condenada a emitir a diferença de ações ou pagar os respectivos valores – "na forma mais favorável ao consumidor" – para pessoas que adquiriram plano de expansão de linha telefônica na década de 1990.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que, não sendo possível a entrega das ações, o valor da indenização deveria corresponder ao número de ações a que a parte tinha direito na data da integralização, multiplicado por sua cotação em bolsa no dia do trânsito em julgado da demanda.
Contra essa decisão, os consumidores interpuseram recurso especial, mas o tribunal lhe negou seguimento com base na tese firmada pelo STJ no REsp 1.301.989 (Tema 658 dos recursos repetitivos). De acordo com esse precedente, "converte-se a obrigação de subscrever ações em perdas e danos multiplicando-se o número de ações devidas pela cotação destas no fechamento do pregão da bolsa de valores no dia do trânsito em julgado da ação de complementação de ações, com juros de mora desde a citação".
Por meio da reclamação, na qual requereram o processamento do recurso especial, os consumidores alegaram que não seria aplicável ao seu caso o entendimento firmado no recurso repetitivo, pois o pedido é de indenização do valor das ações entregues a menos, e não de emissão dessas ações com eventual conversão em perdas e danos.
Segundo os reclamantes, a indenização deveria ter como base a cotação da data em que as ações foram entregues em quantidade menor que a devida (momento do prejuízo), conforme decidido pelo juízo de primeiro grau, pois o dia do trânsito em julgado só seria referência para quem quisesse as ações.
Modificação legislativa
A ministra Nancy Andrighi explicou que, em sua redação original, o inciso IV do artigo 988 do CPC de 2015 previa o cabimento da reclamação para garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em Incidente de Assunção de Competência (IAC). Antes mesmo da entrada em vigor do novo CPC, a Lei 13.256/2016 alterou a redação do inciso IV, excluindo os casos repetitivos das hipóteses de cabimento da reclamação.
De forma paradoxal, segundo a ministra, a mesma lei de 2016 estabeleceu que é inadmissível a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso especial repetitivo, mas apenas quando não esgotadas as instâncias ordinárias (artigo 988, parágrafo 5º, inciso II).
"Consequentemente, apenas da conjugação da redação atual dos incisos do artigo 988 e do inciso II do parágrafo 5º, não é possível extrair, com segurança, conclusão quanto ao cabimento, ou não, da reclamação que visa a observância de tese proferida em recursos especial ou extraordinário repetitivos", ponderou a relatora.
Compensação
Nancy Andrighi destacou que, na exposição de motivos do Projeto de Lei 2.468/2015 – que resultou na Lei 13.256/2016 –, o legislador deixou clara a intenção de não sobrecarregar as atividades do STF e do STJ, dispensando-os do julgamento de reclamações e agravos que tenham por objeto temas decididos em recursos repetitivos e em repercussão geral.
Ao mesmo tempo – disse a relatora –, o Legislativo criou uma espécie de "compensação", incluindo no CPC a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória quando aplicado erroneamente o precedente qualificado. A modificação no regime da rescisória está expressa nos parágrafos 5º e 6º do artigo 966 do CPC.
Resposta à massificação
Além disso, Nancy Andrighi lembrou que os recursos repetitivos surgiram, ao lado de outros institutos, como resposta ao fenômeno da massificação dos litígios. Assim, mediante um julgamento por amostragem – mas com eficácia obrigatória no sistema judicial verticalizado –, o STJ estabelece a tese jurídica a ser aplicada pelas instâncias ordinárias nos demais processos com a mesma controvérsia.
"Isso bem denota a diretriz eleita pelo sistema processual civil em relação às demandas de massa: aos tribunais de superposição compete a fixação da tese jurídica e a uniformização do direito, sendo dos tribunais locais, onde efetivamente ocorre a distribuição da justiça, a aplicação da orientação paradigmática", apontou a ministra.
Nesse sentido, segundo a relatora, a possibilidade de recebimento da reclamação para que fosse examinada a aplicação supostamente indevida ou errônea de precedente repetitivo atentaria contra a finalidade da instituição de um regime próprio dos recursos repetitivos.
Apesar disso, ao indeferir a petição inicial da reclamação, a ministra destacou que "a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do tribunal local, do agravo interno de que trata o artigo 1.030, parágrafo 2º, do CPC/2015", concluiu.
Leia o voto da relatora.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):Rcl 36476
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