Reviver a ditadura?
"Os que conclamam por golpe militar cometem crimes, é essa a história que deve ser contada", diz o advogado Marcelo Uchôa
Bolsonaristas em protesto no Rio de Janeiro contra a eleição presidencial pedem "intervenção federal" 02/11/2022 (Foto: REUTERS/Pilar Olivares)
Em artigo recente, um colega professor desenvolveu enredo, na prática defendendo que os atos golpistas realizados em frente a quartéis do país, clamando por ação militar forçada para reverter politicamente aquilo que o voto não foi capaz de contemplar, são legítimos e constitucionais. Argumentou que os protagonistas são “autênticos defensores da democracia” indignados com as decisões arbitrárias das Cortes Suprema, Eleitoral e de Contas, às quais, de tão excessivas, são objeto de requerimento de CPI proposta pelo deputado Marcel Van Hattem (Partido Novo/RS). O texto recorreu à feminista negra Chimamanda Ngozi Adichie, que alerta para o perigo de se contar uma única história, também mencionando o falecido ícone da poesia palestina, Mourid Barghouti, opositor da historiografia oficial de colonização no Oriente Médio, por ofuscar a história dos povos nativos diante da versão dos colonizadores.
Discordo radicalmente do escrito. O artigo mistura discursos completamente distintos para tentar justificar o injustificável fato concreto de que alguns maus e más brasileiros (não metade, como dito) prostram-se como marionetes da caserna, suplicando pelo desprezo ao voto da maioria e o menoscabo da Constituição. Não são oprimidos que lutam pelo direito de contar sua história, perfilando-se às hipóteses de Adichie e Barghouti. São viúvos e viúvas da ditadura que anseiam reviver (no mínimo, pôr no esquecimento) um passado de arbítrio violento contra a democracia, contra o Estado e contra milhares de seres humanos que foram sequestrados, torturados, mortos, perseguidos, profundamente prejudicados pelo estado de exceção. Não por acaso, são apoiados por deputados como Van Hattem, que, provavelmente, seria confundido com um supremacista branco por Adichie, já que é contra a política de cotas, ou com um sionista extremo por Barghouti, pela cega defesa da cotidiana opressão israelense contra o povo palestino.
Os que conclamam por golpe militar cometem crimes, é essa a história que deve ser contada. Uma nação democrática aceita e promove o pluralismo político e as divergências, mas desde que a fronteira da discordância não seja a ruptura da ordem constitucional. A humanidade sabe bem o que violar coisas assim significa. Enquanto debatemos no jornal, na Alemanha, 25 criminosos de extrema-direita são presos por ameaça à ordem constitucional e apologia ao nazismo. Em outras palavras, por querer reviver uma história que, de maneira alguma, pode ser repetida.
Marcelo Uchôa
Advogado e professor de Direito
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