Saúde de magistrados e servidores: assédio moral pode ser gatilho para doenças
Brandão ressaltou que muitas situações causam constrangimento no local de trabalho, gerando uma pressão competitiva, nem sempre é positiva
Solenidade de abertura do 2º Seminário Nacional sobre a Saúde dos Magistrados e Servidores do Poder Judiciário. Da esq. para a dir.: Em destaque, o conselheiro do CNJ, desembargador Valtércio de Oliveira, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Batista Brito Pereira, o conselheiro do CNJ, ministro Aloysio Correia da Veiga e o conselheiro do CNJ, Arnaldo Hossepian Junior.FOTO: Gil Ferreira/Agência CNJ
O impacto do assédio moral sobre a saúde de servidores e magistrados foi o destaque do primeiro dia do 2º Seminário Nacional sobre a Saúde dos Magistrados e Servidores do Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Cláudio Brandão, é preciso criar e manter um ambiente de trabalho mais positivo, para evitar a pressão exagerada sobre os trabalhadores, exigindo metas inatingíveis, e a difamação.
“De que maneira o juiz exerce o seu poder?”, questionou o ministro ao iniciar a palestra “O Assédio Moral no Poder Judiciário”, que abriu os trabalhos do 2º Seminário na última quarta-feira (4/9). Brandão ressaltou que muitas situações causam constrangimento no local de trabalho, gerando uma pressão competitiva, nem sempre é positiva.
Ele ressaltou que o Poder Judiciário segue as metas criadas pelo CNJ, que foram desenvolvidas para mensurar o trabalho realizado pelo Judiciário no Brasil, mas, a fim de alcançar esses objetivos, desenvolve-se também o estresse ocupacional, com pressão exagerada sobre o funcionário. Essa pressão também pode levar a pessoa que não consegue cumprir as metas à exclusão do grupo, ou mesmo criar uma situação de perseguição, o que já pode ser reconhecido como assédio moral.
“A depressão é a doença que mais afeta a população mundial e pode causar danos irreversíveis. O objetivo do CNJ ao trazer esse tema para a abertura deste evento é desenvolver estratégias para conhecer o problema e combatê-lo”, explicou o ministro. De acordo com ele, o Brasil começou a identificar o assédio moral no trabalho apenas no ano 2000. Antes disso, a jurisprudência registrou sentenças contra dano moral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 1966; o Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar questões relativas a dano moral em 1980; e a Justiça do Trabalho, a partir da década de 1990.
Para manter um ambiente saudável e seguro, é preciso cuidar das relações interpessoais. “Combatamos tenazmente a fofoca no ambiente de trabalho, com o objetivo de evitar problemas que possam se desenvolver para a difamação e o assédio”, reforçou o ministro. Além disso, ao estabelecer objetivos inatingíveis, a liderança pode levar os funcionários a desrespeitarem a ética e o respeito ao próximo. Ele lembrou que é preciso respeitar o “direito de desconexão” das pessoas. “A comunicação instantânea nos trouxe uma ferramenta para facilitar o trabalho. Mas, quando exageramos e enviamos uma mensagem ao funcionário de madrugada, ainda que não seja nossa intenção de sobrecarregá-lo, ele pode se sentir na obrigação de responder, por medo da autoridade. E esse é o problema”, explicou.
Como reflexão, o ministro apresentou a campanha do TST sobre assédio moral, chamada de “Pare e Repare”, que trata da conscientização e prevenção ao assédio moral, tanto nos aspectos vertical (da chefia aos servidor) e horizontal (entre os servidores), quanto no institucional. “Temos que observar a sedução do poder. O juiz precisa estabelecer limites, pois é um potencial assediador, se não levar em consideração as pessoas que contribuem com seu trabalho. De nada adianta uma bela decisão se ela não for executada. O funcionário é a parte operacional e precisa ser valorizado”, afirmou.
O também ministro do TST e conselheiro do CNJ Aloysio Corrêa da Veiga, que mediou a mesa, disse que o Conselho está buscando boas práticas para o aperfeiçoamento da Justiça. Para ele, o trabalho pela saúde dos magistrados e servidores é fruto dessa preocupação, que aponta métodos de trabalho para um ambiente mais saudável. “Queremos criar um ambiente para troca de experiências e benchmarking, buscando boas práticas que possam ser replicadas. O CNJ tem se dedicado à área de políticas públicas, adotando medidas capazes de melhorar o tempo no Poder Judiciário”, afirmou.
Tecnologia
No painel “Novas Tecnologias e Saúde”, os palestrantes apontaram o desenvolvimento tecnológico que, por um lado, contribuem para a prevenção de problemas de saúde e, por outro, podem ser prejudiciais. De acordo com o médico do trabalho e professor de ortopedia e traumatologia da Universidade de Brasília (UnB) Weldson Muniz, os gadgets - dispositivos eletrônicos portáteis, como celulares, smartwatches, sensores aderentes, aparelhos auditivos inteligentes e outros - têm contribuído para consolidar um modelo disruptivo de tratamento, que utiliza a tecnologia para monitorar e registrar os dados coletados, como a pressão sanguínea, os batimentos cardíacos, permitindo o monitoramento da saúde. “Esses aparelhos são essenciais hoje na prevenção de doenças, no diagnóstico e no tratamento da doença, pois registram os dados sobre sua condição de saúde”, explicou.
Já para o professor da UnB e especialista em Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) Mario Cesar Ferreira, a usabilidade da tecnologia da informação e comunicação (TIC) traz riscos e desafios. Ele destacou o trabalho do CNJ em relação ao Processo Judicial Eletrônico (PJe) que, em 2018, já tinha registrado 20,6 milhões de casos, aprimorando a atividade jurisdicional, dando celeridade, trazendo eficiência e eficácia. Citou também os dados do Justiça em Números, que apontou um aumento da produtividade dos magistrados em mais de 4% no último ano.
Contudo, de acordo com o professor, o uso exacerbado da tecnologia é dos principais causadores dos casos de lesão por esforço repetitivo (LER) e Distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT), fadiga visual e problemas dermatológicos. Ele ressaltou que é preciso levar em conta o usuário ao desenvolver tecnologias, pois a usabilidade tem impacto direto na saúde de servidores e magistrados. A ergonomia de forma geral, como o layout do posto de trabalho, altura de mesas e cadeiras, somada às horas de trabalho no computador tem levado os trabalhadores ao desgaste. Ele sugeriu que, além do Justiça em Números, o CNJ também faça um “Saúde em Números” para ter um balanço dos problemas que os servidores e magistrados estão enfrentando.
Para a secretária de Gestão de Pessoas do CNJ, Raquel Wanderley da Cunha, que mediou o painel, é preciso enxergar o poder das tecnologias para a prevenção e utilizá-las de forma correta para garantir a qualidade de vida no trabalho.
Saúde mental
No último painel, a professora da UnB Ana Magnólia destacou alguns dados de sua pesquisa que apontou um número crescente de suicídios no ambiente de trabalho ou motivados por problemas relacionados ao trabalho. De acordo com ela, o sofrimento é uma das principais questões apontadas pelos mais de 6 mil servidores que participaram do levantamento.
O modelo gerencialista aplicado aos ambientes de trabalho tem sido um fator preocupante, pois registra uma desumanização no trato dos servidores e a aplicação de metas exageradas. De acordo com a pesquisa, 71% dos trabalhadores sofrem de esgotamento mental; e 45% relataram tristeza e vontade de desistir de tudo. “O sistema está em estado de alerta. Alguns caminhos precisam ser alterados para que esse cenário não piore”, ressaltou.
De acordo com Ana Magnólia, o medo é o principal sintoma citado: medo de errar, de ser excluído porque errou, de ser chamado de incompetente e de ser punido. “As relações de confiança estão quebradas. O assédio moral é um dos principais causadores desse quadro. A pesquisa é importante para termos um processo de discussão”, alertou.
O conselheiro Valtércio Oliveira mediou a mesa e compartilhou sua experiência com assédio moral, quando foi servidor. Ele relatou que tinha sentimentos de perseguição e teve sequelas físicas decorrentes do estresse vivido. “O que fazer para evitar a tragédia do suicídio dos colegas? O que podemos reforçar é que seja mantido um clima de amorosidade nas varas, seções e tribunais”, disse.
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