Senadores e especialistas divergem sobre regras para uso de armas
O debate foi promovido com a intenção de esclarecer dúvidas dos parlamentares em relação ao projeto de lei em tramitação no colegiado que muda as regras sobre registro, posse e venda de armas de fogo e munição (PL 3.713/2019)
O senador Flávio Bolsonaro (entre Michele dos Ramos e Luciano Leite) comandou o debate
Reunidos em audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta quarta-feira (19), especialistas e senadores ainda não chegaram a um consenso sobre a política a ser adotada para a regulação de armas e munições no país. O debate foi promovido com a intenção de esclarecer dúvidas dos parlamentares em relação ao projeto de lei em tramitação no colegiado que muda as regras sobre registro, posse e venda de armas de fogo e munição (PL 3.713/2019). A proposta já esteve na pauta da CCJ, em março, mas a votação foi adiada para que o texto pudesse ser debatido em audiência pública.
Enquanto a maioria dos senadores presentes na audiência e parte dos especialistas defenderam as regras anteriores, estabelecidas por meio de portarias editadas pelo ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, outros participantes alertaram para a necessidade de se estabelecer um novo mecanismo, mais moderno e integrado, capaz de controlar e fiscalizar o acesso às armas legais no Brasil.
No início de 2023, o atual governo publicou o Decreto 11.366, que suspendeu os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares (CACs). O decreto também restringiu os quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido, além de suspender as concessões de novos registros de clubes e de escolas de tiro, de colecionadores, de atiradores e de caçadores. Enquanto isso, o governo criou um Grupo de Trabalho (GT) com vistas à apresentação uma proposta de regulamentação do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) e a reestruturação da política de controle de armas no Brasil.
Na visão do senador Magno Malta (PL-ES), a política de acesso a armas de fogo estabelecida pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro trouxe mais fiscalização e tornou ainda mais difícil o desvio de uma arma de fogo para a ilegalidade.
— Às pessoas que dizem que desenfreadamente foi dado porte de arma no governo de Jair Bolsonaro explico, aos senhores, que ficou foi mais difícil. Era mais fácil. Quando ele convidou o Sérgio Moro para ser ministro, a portaria de Jair Bolsonaro foi completamente alterada, e ficou difícil demais. E tem outra coisa: não é desenfreado. Você vai para uma escola [de tiro], você tem que se inscrever, tem seus documentos, tem psicólogos, tem psiquiatras, você faz teste psicológico, traz antecedentes criminais, vai para um estande de tiro. Você pega um cara que é credenciado na Polícia Federal como instrutor. Você faz dois testes. Se não passar no primeiro, não faz o segundo — argumentou.
Os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Jorge Seif (PL-SC) concordaram com Malta. Para eles, a alegação de que a política armamentista amplia a criminalidade não se sustenta mais, já que dados do Datasus indicam queda no número de homicídios no Brasil nos últimos anos.
— Segundo o Datasus, em 2017 nós tínhamos uma taxa de 30,7 homicídios por 100 mil habitantes; em 2018, caiu 12%; em 2019, uma queda histórica, nunca antes na história do nosso país houve uma queda tão grande da taxa de homicídios, queda de 21,87%: a taxa que, em 2017, era de 30,7 por 100 mil habitantes, passou para 20,9 por 100 mil habitantes. Se a gente não pode falar que foi por causa da política armamentista, sim, do governo Bolsonaro, a gente pode garantir que, se essa taxa de homicídio tivesse crescido, a culpa seria dessa política armamentista — afirmou Flávio.
Caos normativo
Já na visão de representantes do governo e participantes do GT para elaboração de uma proposta de atualização da legislação, as alterações feitas por Bolsonaro extrapolaram as competências do Executivo no sentido de regulação, contando inclusive com a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) — o que, no olhar deles, causou um “caos normativo” em relação ao Estatuto do Desarmamento.
Para a diretora de Ensino e Pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Michele dos Ramos, e para o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, as mudanças foram feitas num contexto em que os mecanismos de controle existentes por parte do Estado brasileiro já eram bastante insuficientes para fazer uma política responsável de controle desse armamento.
— O Brasil que chegou a 2023 é um país muito mais armado, nós temos hoje em mãos civis mais do que o dobro de armas particulares que havia em 2018. Salta de cerca de 1,3 milhão para quase 3 milhões de armas, e é um Brasil que ouviu diversas vezes a defesa do armamento civil como via de ação política, na contramão dos princípios democráticos mais elementares — ressaltou Michele dos Ramos.
CACs
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) avaliou que a política de acesso à armas no governo anterior ficou caracterizada por uma espécie de “liberação geral”. Para ele, há um desvio de finalidade quando o registro de CACs está sendo utilizado para ampliar a permissão do porte de armas. Na opinião de Girão, o debate precisa ser técnico e sem paixões, para que seja feito um “freio de arrumação”.
— O que eu acho é o seguinte: quer liberar o porte de arma, como é em alguns outros países? Vamos fazer um debate para revogar o Estatuto do Desarmamento. É melhor. Agora, usar de um bypass [desvio] para liberar o porte através do CAC, aí são outros 500. E a gente tem que obedecer a lei que nós temos no Brasil.
Policial federal, mestre em sociologia política e doutorando em democracia, Roberto Uchôa Santos observou que a partir da criação do instituto do porte de trânsito (dispositivo que permitiu aos CACs o direito de ir e voltar dos seus clubes de tiro com suas armas carregadas, editado ainda no governo do ex-presidente Michel Temer), o número desses praticantes aumentou de forma considerável.
— Nós tínhamos, em 2017, cerca de 60 mil CACs registrados em todo o Brasil. A gente fecha 2022 com mais de 800 mil CACs registrados. É um crescimento de mais de 12 vezes. E, durante a minha pesquisa, dentro dos clubes de tiro, eu observei que essa chegada desse novo público não tinha muito a ver com a prática do desporto, com a prática do tiro desportivo. Eram pessoas que não estavam conseguindo o porte de arma pela Polícia Federal, seja porque não tinham razões para tal, seja porque não conseguiam justificar essa necessidade, e viam na possibilidade de se tornar CAC uma forma de circularem armados.
Fiscalização
Pesquisadora do Instituto Igarapé, Carolina Taboada criticou o fato de o país ter registrado aumento no número de armas nas mão dos CACs quando, por outro lado, o país proíbe a prática de caça. De acordo com dados da própria entidade, em 2020, somente 2,3% dos arcervos de CACs, clubes e entidades de tiros foram fiscalizados. Ela salientou ainda que os registros para autorização da caça no Brasil aumentaram em 10 vezes nos últimos cinco anos, saltando de 48 mil, em 2018, para 560 mil em dezembro de 2022. Ela expôs ainda dados da Polícia Federal indicando que há mais de 1,5 milhão de armas com registros vencidos no sistema da própria PF. Para ela, todo o cenário aponta para a necessidade de reformulação do controle de armas no Brasil, com modernização dos sistemas, integrando os bancos de dados, e o aumento da interação de comunicação e registros entre as forças e órgãos de segurança.
— As renovações de registro são momentos nos quais o estado atualiza a informação da arma, garante que ela segue em posse de um cidadão que está habilitado a possuí-la. Não são só as quase 3 milhões de armas particulares que precisam ser fiscalizadas. Tem também todo esse universo de armas com registro vencido. E essa é só uma das formas pelas quais as armas vão gradualmente transitando da legalidade para a ilegalidade. E a falta de fiscalização ou previsão sobre essas armas com registro vencido faz com que o Estado perca o controle sobre elas.
Rodrigo de Barros Piedras Lopes é delegado da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme), da Polícia Civil do Rio de Janeiro, órgão que foi criado para repreender e rastrear a origem das armas ilegais apreendidas nas mãos de facções criminosas. Ele levantou dados de que somente neste ano já foram apreendidos 200 fuzis no Rio de Janeiro. A partir das ações desempenhadas pela delegacia, ele assegurou que a maior parte das armas de fogo apreendidas não tem origem no acervo legal.
— E eu posso falar realmente que a maior parte das armas de fogo que são apreendidas (fuzis principalmente, fuzis e armas, pistolas, pistolas que muitas vezes são modificadas para atirar de forma automática) não têm como origem o acervo legal, mas, sim, elas entram no país por fronteiras, por outros países que fazem fronteira conosco.
Críticas ao substitutivo
Na avaliação do promotor de Justiça Criminal no estado de Mato Grosso do Sul, Luciano Anechini Lara Leite, o país possui hoje uma das mais restritivas legislações de armas do mundo. Na opinião dele, que é também atirador, o texto original do PL 3.713 trazia avanços para a regulamentação de aquisição e porte de armas, em especial com a redução da idade mínima necessária para o ato, passando dos atuais 25 anos para 21 anos. No entanto, avalia, o substitutivo apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) ao projeto se traduz em um “pesadelo” para o setor. Ele listou o que considera problemas no texto:
— Em especial, alteração de classificação de calibres; marcação de estojos civis, quando em verdade hoje a munição é marcada em lotes e todas as caixas são rastreáveis; a confusão entre o sistema Sigma [Sistema de Gerenciamento Militar de Armas] e o Sinarm [Sistema Nacional de Armas]; a repetição de atos pelo Exército e pela Polícia Federal, engessando, atrasando e complicando ainda mais os atos; o risco efetivo de confisco; a proibição do uso de rifle semiauto em calibre como 5,56x45mm e o ponto 223 Winchester.
Clubes de tiro
A instrutora de armamento e tiro Fabíola Venera defendeu uma legislação que possa garantir segurança jurídica e o crescimento do setor. Ela expôs a realidade de famílias e atletas que fazem uso da prática esportiva como ferramenta de melhoria de vida, seja no âmbito financeiro, físico ou até mesmo para a saúde mental. Ela pediu que a legislação possa trazer dispositivo que assegure a prática esportiva para atletas de 14 a 17 anos.
— O brasileiro, de forma geral, é apaixonado por todo tipo de esporte. Uns gostam de futebol, outros de paraquedismo, e assim por diante. E a gente não pode ficar na mão de um decreto que, a qualquer momento, pode dizer: "Você não pode mais ser um atirador", como um decreto que saiu agora em que não pode ter mais novos atiradores. De janeiro para cá, não saiu mais um CR [certificado de registro] para atirador, e nós não estamos tendo uma renovação no tiro esportivo.
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