Senadores repudiam decisão da Justiça de Santa Catarina, que absolveu acusado sob tese de 'estupro culposo'

"Estupro culposo" não é um tipo criminal existente em lei. Já o  estupro está enquadrado como crime hediondo  (Lei 8.072, de 1990)

Agência Senado/Foto: Pedro França/Agência Senado
Publicada em 03 de novembro de 2020 às 23:44
Senadores repudiam decisão da Justiça de Santa Catarina, que absolveu acusado sob tese de 'estupro culposo'

Presidente da Comissão de Justiça e Cidadania, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) prestou solidariedade à vítima, a jovem Mariana Ferrer, e exigiu ação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público

Senadores repudiaram nesta terça-feira (3) a decisão da Justiça de Santa Catarina que absolveu o empresário André de Camargo Aranha do crime de estupro contra a influenciadora digital Mariana Ferrer, de 23 anos, em uma festa, em 2018. O juiz aceitou a argumentação da defesa de que foi cometido um “estupro culposo”, e que o empresário não teria tido a intenção do crime, mesmo tendo cometido a ação com a vítima dopada, em estado inconsciente. "Estupro culposo" não é um tipo criminal existente em lei. Já o  estupro está enquadrado como crime hediondo  (Lei 8.072, de 1990).  

Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o advogado de defesa, o Ministério Público e o juiz “rasgaram lei e desonraram Justiça”. A senadora afirmou ter assistido ao vídeo do julgamento, ocorrido em setembro, divulgado nesta terça em reportagem do The Intercept Brasil.

“Assisti vídeo, Mari Ferrer. HUMILHAÇÃO. Advogado e juiz rasgaram lei e desonraram Justiça. MP alegou estupro culposo, tipificação inexistente. Réu absolvido. Cuspida na cara das brasileiras, que exigem respostas: OAB, código de ética. CNMP e CNJ, investigação e punição exemplar”, escreveu a senadora em suas redes sociais.

No vídeo, Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do empresário, mostra fotos de Mariana em poses que classifica como "posições ginecológicas" e a acusa de utilizar-se da própria virgindade para promoção nas redes. André de Camargo Aranha havia sido identificado pela Polícia como autor do estupro ocorrido em uma festa no bairro de Jurerê Internacional, Florianópolis, no final de 2018. Mariana, que era virgem, denunciou ter sido dopada e violentada.

A senadora Leila Barros (PSB-DF) também condenou as cenas do julgamento. Pelo Twitter, ela afirmou que o caso “se torna ainda mais repugnante com as lamentáveis cenas de humilhação protagonizadas pelo advogado de defesa contra a vítima” e pediu providências à OAB.

“A tese de estupro culposo, além de uma aberração jurídica, é perigosa. Abre precedentes justamente no momento em que se batalha para conscientizar a sociedade, sobretudo os homens, de que sexo sem consentimento é estupro”, alertou.

A sentença foi dada pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª vara Criminal de Florianópolis, para quem ele cometeu “estupro culposo”, sem intenção de cometer o crime. Como essa tipificação não existe na Justiça brasileira, o empresário foi absolvido. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), delegado e professor de Direito, reforçou a inexistência da figura do estupro culposo na lei.

“Manter relações sexuais com pessoa inconsciente não é ‘apenas’ estupro, mas um crime ainda mais grave: estupro de vulnerável”, completou o senador em postagem no Twitter. “É irrelevante questionar a intenção do estuprador. A vítima não tem condições de opor resistência. No caso Mariana Ferrer, vemos um erro gravíssimo da Justiça e o machismo na sua forma mais vil”.

Ex-ministro da Justiça, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), considerou a sentença uma “anomalia”: “Não há esse tipo de crime no Brasil e em nenhum lugar do mundo. A vítima precisa sempre ser amparada e protegida. Não podemos silenciar”, tuitou. 

Os parlamentares estão usando em suas postagens a hashtag #Justicapormariferrer. O senador Humberto Costa (PT-PE) foi direto ao comentar o assunto no Twitter: “não existe estupro culposo”. Já a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) chamou o "estupro culposo" de aberração jurídica. “Envergonha-me viver em um país onde inventam até crimes para proteger criminosos. É a covardia e o machismo prosperando no Brasil dos perversos poderosos”, postou. 

O senador Alvaro Dias (Podemos-PR), por sua vez, citou a mobilização que o caso está provocando nas redes sociais e afirmou que a sentença causou “asco” na sociedade e mesmo no Judiciário. “Até ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) criticaram as cenas estarrecedoras da audiência da Justiça de Santa Catarina. Que Justiça é essa que inventa tipificações penais para inocentar estupradores e massacrar mulheres?”, afirmou.

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