STF começa a julgar lei que impõe condições para esterilização voluntária
Partes e terceiros interessados apresentaram argumentos na sessão plenária desta quarta-feira (17)
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar, nesta quarta-feira (17), a constitucionalidade de dispositivos da Lei do Planejamento Familiar (Lei 9. 263/1996), que tratam de condições para a realização de esterilização voluntária (laqueadura e vasectomia). O ministro Nunes Marques apresentou seu relatório, e, em seguida, as partes e as instituições admitidas como interessadas no processo fizeram suas sustentações orais. O julgamento será retomado com os votos do relator e dos demais ministros, em data ainda a ser definida.
A matéria é tema da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5911, de autoria do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Inicialmente, a lei impunha, como condição para a realização dos procedimentos, a autorização expressa do cônjuge e a idade mínima de 25 anos ou dois filhos vivos. Contudo, a primeira exigência foi revogada e a idade mínima modificada para 21 anos.
Poder de escolha
Da tribuna, a representante do PSB, Ana Letícia da Costa Bezerra, afirmou que, mesmo após a alteração legislativa, persistem requisitos limitadores e arbitrários para a realização de cirurgia de esterilização voluntária, que violam os princípios da dignidade humana, autonomia e liberdade individual. Para o partido, não há fundamento ou justificativa jurídica ou científica para impedir o poder de escolha de pessoas entre 18 e 21 anos que não têm filhos.
Nessa linha, a advogada Nara Ayres Britto, do Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília, defendeu que a idade de 18 anos é o paradigma constitucional da autonomia da vontade do indivíduo e só pode sofrer restrição por garantia da Constituição.
Restrição
O defensor público Rafael Munerati, do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo, afirmou que qualquer ingerência do Estado no livre exercício do direito de planejamento familiar é inadmissível, pois, em última análise, impede o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Para a advogada Lígia Ziggiotti de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), um Estado que seja democrático de direito não pode limitar o exercício de liberdade partindo da premissa de que a opção de não engravidar, feita por uma mulher civilmente capaz, é duvidosa. De acordo com a representante da IBDFAM, o papel do Estado deve ser o de fornecer saúde pública, gratuita e de qualidade para que a mulher civilmente capaz, quando expressar seu desejo de não engravidar, seja devidamente escutada.
Para Francielle Elizabet Nogueira Lima, da Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná, a exigência alternativa de dois filhos vivos está pautada em um poder não respaldado de procriação e viola tratados e convenções de Direitos Humanos que afirmam ser dever do Estado prover o direito de livre decisão sobre a reprodução.
Imposição cultural
Pela Associação Movimento Brasil Laico, a advogada Simone Andréa Barcelos Coutinho reiterou que o Estado não pode coibir, condicionar ou dificultar a esterilização cirúrgica, como faz a Lei de Planejamento Familiar que, para ela, deveria ser apelidada de “lei do dever de engravidar diante das restrições impostas”.
Nesse sentido, a advogada Vitória de Macedo Buzzi, da Clínica Jurídica de Direitos Humanos e Direitos Sexuais e Reprodutivos (Cravinas), argumentou que a resposta legislativa não pode retirar das mulheres a possibilidade de decidir sobre seus projetos de vida, autonomia e planejamento reprodutivo ou mesmo conter uma imposição cultural sobre a maternidade.
A defensora pública Tatiana Melo Aragão Bianchini, pela Defensoria Pública da União (DPU), afirmou que, embora a disposição legislativa seja dirigida a todos os sexos, as restrições atingem de forma mais intensa as mulheres, uma vez que, historicamente, compete a elas o dever de evitar a concepção.
Criminalização
O representante do Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná, Luiz Gustavo de Andrade, defendeu que a inconstitucionalidade da lei vai além e atinge também a categoria médica, pois tipifica como crime a realização da esterilização voluntária se não observados os limites e restrições.
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