Esta semana tivemos a publicação de duas medidas provisórias que tratam de assuntos trabalhistas, sendo uma dispondo sobre pagamento de a auxílio-alimentação (MP nº 1.108) e, a outra dispondo sobre o teletrabalho (MP nº 1.109), causando novas discussões em torno dos assuntos. Nenhuma delas, pelo assunto que tratam, merecia a utilização da Medida Provisória, cujas condições de uso pelo executivo devem estar fundados em motivos de relevância e de urgência para o país.
De fato a questão reveladora das referidas Medidas Provisórias é de natureza cultural e demonstra a vocação legalista em nossa sociedade. Busca-se a lei para regular qualquer assunto, como se a existência da lei fosse capaz de solucionar conflitos e prevenir litígios. Diriam alguns, mas agora temos a lei e ficaremos felizes e seguros assim! De Page, jurista francês, referindo-se às fontes de direito, dizia que a lei, como roupa feita, não tem a capacidade de servir a todos, razão pela qual a jurisprudência é que tem a finalidade de ajustar as hipóteses legais à realidade.
No caso da Medida Provisória nº 1.109, sobre o teletrabalho, vem a solavanco da Reforma Trabalhista de 2017, Lei nº 13.467 que, de modo mais simples e objetivo, tratou da modalidade de prestação de serviços em regime de teletrabalho, conceituando sua natureza e efeitos quanto às características de conteúdo do contrato a ser celebrado entre empregado e empregador, em especial, quanto à jornada de trabalho. Nada mais precisaria ser dito.
Agora houve, certamente, um excesso de regramento que mais confunde e trata de situações óbvias como dizer, no parágrafo 9º, do artigo 75-B que "o acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais". Em nenhum momento foi diferente em relação aos acordos individuais que tratam de cumprimento de horários entre empregados e empregadores. E, ainda, a confusão instaurada está no fato de que o teletrabalho, a rigor desde a Lei nº 13.467, não se submete a controle de jornada, razão até a inclusão do inciso III, no artigo 62 da CLT. Então, se não há aplicação na modalidade de prestação de serviços teletrabalho do capítulo que cuida da duração do trabalho, qual seria a motivação de a medida provisória fazer referência a acordo individual para dispor sobre horários?
De fato melhor seria que o teletrabalho fosse ajustado e adaptado por negociações coletivas, nos locais de trabalho a fim de que os ajustes cobrissem efetivamente a realidade dos trabalhadores e das empresas envolvidas.
Do jeito que ficou e que está ficando, os sindicatos continuam paisagistas de uma legislação que foi apropriada pelo estado e que trata dos temas com distância e de forma burocrática.
A maioria das hipóteses em que o estado legisla à exaustão em matéria trabalhista, mostra sua face populista e, em lugar de reconhecer direitos, está criando mais dificuldades e inibindo ajustes práticos mais adequados à realidade de cada empresa.
O direito do trabalho do futuro não existe e não pode ser criado por imaginação. Ele se amolda e se ajusta com dinâmica própria porque sempre atuou de acordo com a realidade que se apresenta a cada momento, cabendo aos sindicatos e às negociações coletivas as adaptações de acordo com as necessidades profissionais específicas.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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