Trabalho decente: países de língua portuguesa buscam ampliar leis para promover avanços
Chave para o crescimento sustentável, tema faz parte da Agenda 2030 da ONU e foi debatido em encontro no TST
O conceito de trabalho decente é relativamente novo. Ele foi estabelecido formalmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999 e é definido como o trabalho produtivo, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança e capaz de garantir uma vida digna à pessoa.
O entendimento engloba, ainda, o respeito aos direitos do trabalho (como liberdade sindical e negociação coletiva), a proteção social e a redução das desigualdades. Trata-se, portanto, de um fator fundamental para a superação da pobreza e de uma das bases para o desenvolvimento sustentável. Por isso, também integra os objetivos da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Nesta reportagem, mostramos como as nações integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) têm tratado a temática. Enquanto o Brasil conta com um código legal específico para as relações de trabalho há 80 anos (a CLT), na maioria desses países o debate em torno de direitos trabalhistas e sua atualização é um movimento mais recente, iniciado a partir da década de 1970 - quando boa parte deles se tornou independente.
Este é o primeiro conteúdo da série especial “Trabalho decente e Justiça em Países de Língua Portuguesa”, com reportagens que serão publicadas às quartas-feiras de maio, no site do TST. O material foi produzido a partir da “1ª Oficina Internacional: Diálogo e Cooperação Sul-Sul de Países da CPLP sobre Justiça do Trabalho”, evento inédito que mobilizou representantes do Poder Judiciário de sete países na sede do TST em março deste ano.
Cabo Verde: modernização para garantir novos direitos
Em Cabo Verde, arquipélago do noroeste da África, a licença-maternidade era de apenas dois meses até 2023. No ano passado, o período foi ampliado de 60 para 90 dias e foi criada a licença de 10 dias úteis para os pais (homens). Foi também nos últimos anos que o país regulamentou o trabalho rural e o trabalho doméstico.
A legislação local já prevê cobertura para doenças, acidentes de trabalho e invalidez e um sistema de previdência social, a partir da criação do Regime Jurídico do Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, que entrou em vigor em janeiro de 2023. Mesmo assim, segundo Simão Alves Santos, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Cabo Verde tem perdido muitos profissionais com boa qualificação para empresas europeias, que conseguem oferecer salários melhores.
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Angola: o desafio de reter a força de trabalho jovem
Angola tornou-se independente apenas em 1975, durante o período de instabilidade política em Portugal decorrente da Revolução dos Cravos. A partir daí, o país africano mergulhou numa guerra civil que abalou as estruturas governamentais, matou milhares de pessoas e destruiu parte da infraestrutura existente.
O cenário só mudou em 2002, com o fim do conflito. Pedro Joaquim Ngola, procurador-geral adjunto, conta que, a partir disso, foi necessário reconstruir o país - e, também, criar novas leis sobre o mundo do trabalho.
Atualmente, o governo angolano tenta equalizar as oportunidades de trabalho para homens e mulheres, além de implantar políticas para inserir os jovens no mercado formal de trabalho, já que a informalidade ainda é predominante.
Moçambique: a busca da conciliação entre trabalhadores e empregadores
Tal qual Cabo Verde, Moçambique tem realizado uma série de reformas para atualizar a sua legislação trabalhista. Parte das regras remontam, ainda, ao período colonial.
Depois de muitos debates entre empresários, representantes dos trabalhadores e integrantes do Judiciário, foi possível definir várias mudanças, entre elas a criação de um salário mínimo.
Conforme Veneranda Felicidade Sandra, juíza conselheira do Tribunal Supremo de Moçambique, equilibrar tantos interesses é um dos grandes desafios das comissões que têm debatido as atualizações legais.
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Brasil: os desafios para o trabalho decente
A Constituição Federal de 1988 destaca os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana como princípios fundamentais do Estado brasileiro. O artigo 7º lista 34 direitos relacionados ao trabalho, como garantia do salário mínimo, adicional para atividades insalubres, penosas ou perigosas e proibição de diferença salarial por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil.
Além disso, o Brasil já ratificou 82 convenções da Organização Internacional do Trabalho sobre temas diversos, como proteção ao salário (Convenção 95), segurança e saúde dos trabalhadores (Convenção 155) e trabalho decente para trabalhadores domésticos (Convenção 189).
Entretanto, os desafios para assegurar o trabalho decente e os direitos constitucionais são muitos. A informalidade - que precariza as condições e aumenta o risco para as pessoas -, o trabalho infantil, as condições inadequadas de saúde e segurança e o trabalho análogo à escravidão persistem e demandam a ação do Estado.
Trabalho infantil e pandemia
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, pelo menos 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhavam no Brasil. Até 2019, a estatística vinha caindo no país, mas a pandemia da covid-19 aumentou a evasão escolar e, consequentemente, o número de jovens trabalhando, como alertou a OIT.
Por aqui, o trabalho remunerado é legal apenas a partir de 18 anos completos. A partir dos 14 anos, os jovens podem trabalhar na condição de aprendizes, mediante uma série de critérios, como estar regularmente matriculado na escola.
Acidentes de trabalho
O Brasil registrou, desde 2012, 6,7 milhões de acidentes de trabalho e 25.492 mortes de pessoas com carteira assinada. E os números têm crescido desde 2020, segundo dados do SmartLab – Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho.
Trabalho em condições análogas à escravidão
Já a quantidade de pessoas flagradas em condições análogas à escravidão têm crescido desde 2009. Somente em 2023, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, 3.151 delas foram resgatadas , a grande maioria em regiões rurais com plantações de café, cana-de-açúcar, uva, soja e arroz, além da criação de gado.
Informalidade
No país, 39,5 milhões de pessoas trabalham na informalidade e quase 8,1 milhões estão desocupadas (o equivalente a 7,4% da força de trabalho). Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, correspondentes ao último trimestre de 2023.
Monitoramento brasileiro
Na Justiça do Trabalho, o Monitor do Trabalho Decente reúne informações sobre processos julgados que envolvem trabalho infantil, assédio sexual, contratos de aprendizagem e trabalho análogo ao escravo.
A ferramenta, lançada em 2023 por meio de uma parceria entre o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e os Tribunais Regionais do Trabalho, utiliza inteligência artificial (IA) para mapear os casos e apresentar as estatísticas.
A iniciativa cumpre o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) da Agenda 2030 da ONU.
O CSJT ainda mantém atualmente duas frentes permanentes de conscientização e promoção do trabalho decente: o programa Trabalho Seguro e o programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem.
(Juliane Sacerdote/NP/CF)
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