Transparência na saúde
Em outras palavras, na transparência sobre como o serviço é prestado
Quando o assunto é transplante, há um sistema único no país com lista para cada órgão desde 1997. A ordem não é exatamente cronológica, mas sim por compatibilidade, grupo sanguíneo, tempo de espera e gravidade da doença, o que significa que a preferência recai para o paciente com maior risco de morte. Mas há transparência: cada um sabe sua ordem na fila e o porquê de um órgão ir para o segundo e não para o primeiro. Isso elimina o risco de apadrinhamento, compra, venda e outras interferências no mínimo ilegais e imorais, colocando todos numa mesma situação, independente de cor, conta bancária ou preferência partidária, o que é excelente e bastante democrático.
A diafaneidade na Administração Pública, aliás, advém não apenas dos princípios constitucionais que a norteiam, mas sim no reconhecimento da garantia do direito de acesso à informação de interesse coletivo como direito humano fundamental. Por isso o STF, já em 2015, reconheceu como constitucional lei dos deputados estaduais gaúchos estabelecendo a obrigatória divulgação, pelo governo local, na imprensa oficial e na internet, de todos os dados relativos a contratos de obras públicas, e noutras tantas decisões, monocráticas ou do colegiado, que reconhecem legítima a atuação de deputados e vereadores na ampliação do acesso a informações de interesse público. Em outras palavras, na transparência sobre como o serviço é prestado.
Em decisão publicada em 02/03/2020, no RE nº 1.256.172, a min. Carmem Lúcia deu provimento a um recurso que deve servir de paradigma aos quase 60 mil legisladores municipais brasileiros: considerou constitucional lei elaborada pelos vereadores do município paulista de Taubaté estabelecendo “a obrigatoriedade de divulgação de listagens de pacientes que aguardam consultas com médicos especialistas, exames e cirurgias na rede pública de saúde”. Tudo começou quando os edis taubateanos, por iniciativa própria, criaram a Lei Municipal nº 5.479/2019, que foi questionada pelo Chefe do Executivo por suposto vício de iniciativa. O TJSP acolheu esse argumento e considerou a lei inconstitucional. No Recurso Extraordinário, a min. Carmem Lúcia rechaçou qualquer vício ao trabalho legislativo, lembrando que “o Supremo Tribunal Federal assentou inexistir reserva de iniciativa quando ausentes criação, extinção ou modificação de órgãos pertencentes ao Poder Executivo municipal e que o projeto de lei pelo qual se obriga o Poder Executivo a concretizar o princípio constitucional da publicidade pode ser de iniciativa do Poder Legislativo”. O paradigma está posto: é momento dos vereadores deixarem de dar nomes a ruas e praças e criarem leis que obriguem a divulgação de listagens de pacientes que aguardam consultas com médicos especialistas, exames e cirurgias na rede pública de saúde.
Vladimir Polízio Júnior, 49 anos, é jornalista, advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, e pós-doutor em Cidadania e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá. Contato: [email protected]
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