Trump sobrevive, Bolsonaro não sobreviverá

"Saindo do governo, Bolsonaro sairá sem um partido organizado, sem um espaço midiático para seus discursos, provavelmente será vítima de grande quantidade de processos, situação similar à dos seus filhos", escreve o sociólogo Emir Sader ao comparar a trajetória de Donald Trump com a de Jair Bolsonaro

Emir Sader
Publicada em 14 de janeiro de 2021 às 10:28
Trump sobrevive, Bolsonaro não sobreviverá

Donald Trump e Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR via BBC)

Donald Trump sai da presidência como o maior líder da oposição, lançando-se já à presidência daqui a quatro anos. Quando sair da presidência, Bolsonaro não contará com uma situação tão favorável.

Sempre houve diferenças entre eles, no meio de tantas semelhanças. As diferenças passam a contar mais, na hora que deixarem a presidência.

Trump era um grande formador de opinião, através da cadeia NBC, durante mais de dez anos antes de ser eleito candidato à presidência dos Estados Unidos. Era um milionário, proprietário de edifícios, campos de golfe, cassinos.

Trump teve uma relação conflitiva com o Partido Republicano, que resistiu à sua influência.

Os dois mandatos de Obama representaram uma hegemonia muito grande desse partido nos Estados Unidos, a ponto que Hillary Clinton era favorita para ser eleita em 2016. Sem candidato que pudesse concorrer com ela, o Partido Republicano cedeu à candidatura de Trump, a única que poderia competir com Hillary.

Mesmo tendo menos votos, ele triunfou, com uma acelerada ofensiva final, apostando nos estados em que pudesse ganhar, mesmo que por pequena diferença, para conseguir os votos no Colégio Eleitoral que o levaram à presidência. Foi uma conquista que o Partido Republicano não teria, não fosse Trump.

A partir daquele momento houve um novo tipo de relação entre Trump e os republicanos. Estes ficaram reféns do governo de Trump, enquanto Trump podia contar com um partido nacionalmente implantado, com muitos governadores e maioria no Senado.

Em nenhum momento do mandato, mesmo com atitudes arbitrárias de Trump, que nunca consultou o partido, houve rupturas de parlamentares com o governo. A candidatura de Trump à reeleição era um consenso no partido, que não contava com outro candidato, além do favoritismo de Trump.

Este contava com uma economia que, ao contrário da dos países europeus ou do Japão, tinha se recuperado da crise de 2008. Economia crescendo, com geração de empregos, é uma fórmula segura de reeleição nos Estados Unidos.

Foi a irrupção inesperada e avassaladora da pandemia, que mudou o cenário eleitoral. A situação econômica se reverteu, passando da expansão à recessão e o desemprego voltou a disparar. Como consequência, os democratas voltaram a ter possibilidade de ganhar. A escolha de Joe Biden, moderado, por um lado, mas com forte apoio dos negros, herdada de ter sido vice de Obama, foi a pior para Trump, que se preparava para uma das alternativas mais radicais – Sanders ou Elisabeth Warren.

A postura negacionista de Trump terminou por levá-lo à derrota. Ele ainda tentou salvar em parte sua imagem, assumindo a vacinação como uma realização do seu governo.

Seu discurso de incitação à invasão do Capitólio teve um duplo efeito: condenação até mesmo de vários parlamentares republicanos, mas consolidação da sua capacidade de mobilização dos setores mais radicalizados. A denúncia de suposta fraude eleitoral chega a amplos setores da população e do próprio Partido Republicano.

Sua invocação dos 75 milhões de votos, que fazem dele o líder que teve a segunda maior votação da história dos Estados Unidos e a negação do resultado eleitoral são elementos já da sua plataforma eleitoral para 2024. Ele sai do governo, mas conta com essa votação e com um partido nacionalmente enraizado, com bancadas minoritárias, mas fortes. A própria tentativa de impeachment o deixa sob a luz dos holofotes e mantém sua imagem no centro do cenário político ainda por um tempo.

E o Bolsonaro? Em primeiro lugar, ele enfrentará sua tentativa de reeleição em situação muito mais difícil do que Trump. Suas possibilidades de reeleição são muito menores do que as que teve Trump, com a economia crescendo e o desemprego diminuindo.

Bolsonaro viveu seus dois anos de governo com recessão, que se prolonga no seu terceiro ano do mandato, com desemprego recorde e precariedade de maioria da população. Sofre os efeitos da derrota de Trump e a assunção de um governo hostil a ele, no seu lugar. Perdeu as eleições municipais e, mantendo a visão negacionista, se dá conta como sua imagem é afetada por tudo isso e deve seguir desgastando-o ao longo deste ano e talvez até o fim do mandato, quando a economia não deverá ter se recuperado.

Saindo do governo, Bolsonaro sairá sem um partido organizado, sem um espaço midiático para seus discursos, provavelmente será vítima de grande quantidade de processos, situação similar à dos seus filhos. Nessas condições, se realmente não conseguir se reeleger, da mesma forma que Trump, sai do governo sem condições de sua sobrevivência política, mesmo mantendo certa quantidade de apoiadores radicalizados e isolados.

Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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