#VazaJato Diálogos inéditos: concordamos com Deltan

Trechos inéditos mostra como, antes de serem alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a democracia

The Intercept Brasil
Publicada em 24 de junho de 2019 às 09:43
#VazaJato Diálogos inéditos: concordamos com Deltan

Desde que o Intercept começou a publicar a série de reportagensdemonstrando conduta irregular da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz – agora ministro – Sergio Moro, os defensores da operação vêm adotando uma postura de criminalização do jornalismo, tendo o próprio ministro se referido ao Intercept como "site aliado a hackers criminosos". Essa tentativa de nos colar a criminosos foi denunciada por diversos grupos de defesa da liberdade de imprensa – como o Comitê para a Proteção dos JornalistasRepórteres sem Fronteiras e a Abraji –, que emitiram comunicados condenando a estratégia de Moro e das autoridades brasileiras de usar intimidação e ameaças para impedir a realização de nosso trabalho jornalístico. 

Hoje, nós decidimos publicar na nossa newsletter alguns trechos inéditos do arquivo da #VazaJato para mostrar como, antes de serem alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a democracia.

Deltan Dallagnol, nominalmente o coordenador da força-tarefa, era com frequência o maior entusiasta dessas garantias. O apreço de Deltan pela liberdade de imprensa se deve, possivelmente, ao fato de que a Lava Jato se valeu, por anos, de vazamentos de trechos de delações premiadas e outros materiais confidenciais contidos nos autos das investigações como ferramenta de pressão contra políticos e empresários alvos da força-tarefa.

Vejam essa conversa revelada agora pelo TIB: em novembro de 2015, num chat chamado PF-MPF Lava Jato 2, enquanto discutiam medidas para coibir vazamentos de informações da força-tarefa (“alguns vazamentos tem sido muito prejudiciais”), Deltan alertou seus colegas que utilizar o poder processual para investigar jornalistas que tenham publicado material vazado não seria apenas difícil mas "praticamente impossível", porque "jornalista que vaza não comete crime".

Deltan estava certo. A decisão judicial da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região diz claramente: “o jornalista que divulga trechos de investigação policial que corre em sigilo não comete nenhum crime.” A decisão diz ainda que "Não se trata, por certo, de pretender punir a pena e a boca que, no exercício de nobre profissão, revelam, mas a mão de quem, detentor de dever de preservação do sigilo de informações, a usa para reduzir a nada a autoridade da decisão judicial e as garantias constitucionais." Ou seja: cometem crime os funcionários públicos que vazam informações que deveriam eles mesmos proteger – policiais, procuradores, juízes... – e não os jornalistas que as publicam. 

Há cerca de um ano, em maio de 2018, Deltan e seu time redigiram e publicaram um manifesto em defesa das virtudes da liberdade de expressão – elaborado para proteger um dos procuradores. Ele estava sendo ameaçado de punição por ter publicado um artigo com duras críticas à Justiça Eleitoral. Os procuradores criaram um grupo de chat no Telegram – até agora inédito – chamado Liberdade de expressão CF. Durante a redação do manifesto, Deltan ressaltou um ponto crucial para eles à época, e que é central ao trabalho jornalístico que nós estamos realizando sobre as condutas da força-tarefa e de Moro:

17:15:22 Deltan: “Autoridades Públicas estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor do que o cidadão que não é pessoa pública.”

O argumento de Deltan é precisamente correto – ainda que para o procurador ele deixe de valer quando a autoridade pública em questão é ele próprio. Curiosamente, o ministro do STF Luiz Fux discorda do Deltan de hoje.

Fux já se pronunciou sobre isso no próprio Supremo: “Esta Corte entendeu que o cidadão que decide ingressar no serviço público adere ao regime jurídico próprio da Administração Púbica, que prevê a publicidade de todas as informações de interesse da coletividade, dentre elas o valor pago a título de remuneração aos seus servidores. Desse modo, não há falar em violação ao direito líquido e certo do servidor de ter asseguradas a intimidade e a privacidade. In Fux We Trust.

Cidadãos privados têm direito à privacidade absoluta. Mas aquelas pessoas que detém o poder  – como juizes, procuradores e ministros –  “estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor.” Esse é um princípio no qual acreditamos enfaticamente e que vem norteando nossa reportagem desde que começamos a trabalhar nesse arquivo.

Deltan ofereceu argumento similar em 2016, quando defendeu a decisão de Moro de tornar públicas gravações telefônicas do ex-presidente Lula. Em defesa do então juiz, Deltan argumentou corretamente que o direito à privacidade das autoridades não se sobrepõe ao interesse do público de saber o que aqueles que detém o poder fazem e dizem em situações privadas – isso que ele estava defendendo um juiz que divulgou um grampo ilegal, algo muito mais sério do que a atitude de whistleblowers.

Outros membros da força-tarefa, antes da publicação das reportagens pelo Intercept, compartilhavam do entusiasmo de Deltan pelo vazamento de documentos governamentais secretos que expõem o comportamento das autoridades. Os procuradores expressaram também sua admiração pelos whistleblowers, como Daniel Ellsberg e Edward Snowden, que tornam públicos documentos secretos comprovando irregularidades ou corrupção por parte das autoridades.

Em Janeiro de 2017, os procuradores lamentaram o fato do Brasil ter perdido posições no ranking de percepção da corrupção publicado pela Transparência Internacional, e expressaram admiração pela Dinamarca, que lidera o ranking. Após publicar um link para o ranking num chat no Telegram chamado "BD", a procuradora Monique Chequer (que não pertence à Lava Jato em Curitiba) explicou que o sucesso dos esforços de combate a corrupção na Dinamarca se devem porque o país – ao contrário do Brasil – valoriza e protege as fontes que expõe corrupção (os whistle-blowers).

  • 08:21:39  Aqui
  • 08:33:49 Livia Tinoco Infelizmente, estamos muito, muito longe do modelo da Dinamarca
  • 08:43:25 Monique “Many companies also make use of so- called “whistle-blower” systems that have become very popular in Denmark”.
  • 08:44:07  Enquanto aqui no Brasil há “complexa” discussão se o delator é imoral ou não.

O artigo elogiado pelos procuradores explica os motivos do sistema político dinamarquês ser tão pouco corrupto. Há nele o seguinte discurso, proferido por um embaixador dinamarquês:

"Na Dinamarca nós temos uma cultura política muito inclusiva, e tanto nossas instituições públicas quanto privadas são altamente transparentes, o que faz com que seja fácil, por exemplo, responsabilizar políticos e empresas por irregularidades cometidas.

A mídia tem um papel fundamental no sistema de integridade na Dinamarca, e é muitas vezes chamada de 'o quarto poder do estado', que tem o papel de fiscalizar os outros três, garantindo que eles se comportem da forma correta… Muitas empresas também empregam os chamados "sistemas de whistle-blower", cada vez mais populares na Dinamarca. Isso significa que, se uma pessoa tem conhecimento de algum tipo de corrupção ou desvios éticos que acredita que devem ser tornados públicos, essa pessoa pode denunciar isso – inclusive de forma anônima."

Nós concordamos em absoluto com os princípios defendidos, em ambientes privados no Telegram, por Deltan e seus colegas: jornalistas não cometem crimes ao apurar e publicar reportagens baseadas em informações obtidas ilegalmente, mas sim contribuem para o fortalecimento das instituições e da cultura democrática; aqueles que detêm poder público sacrificam sua privacidade em nome da transparência; e a ação dos whistleblowers (o vazamento ilegal de informações demonstrando corrupção por parte de autoridades) é de importância vital para o bom funcionamento das instituições. São esses os princípios que norteiam o trabalho do Intercept e nossas reportagens sobre esse arquivo (leia nosso editorial e entenda).

Não importa o que Deltan, Moro e seus colegas digam sobre isso hoje. Eles estão apenas virando a mesa para defender seus próprios interesses. Isso não anula ou diminui a validade dos princípios fundamentais nos quais acreditamos – os mesmo que eles, hoje, querem destruir.

Comentários

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    Fernando 25/06/2019

    Os jornalistas repassar informações obtidas, mas, sendo estas conseguidas por um juiz ou ptomotor via autorização judicial, tido bem, é válido. Agora o q ñ pode é pseudas jornalistas, divulgarem escutas criminosas via hackers com objetivo único d acabar com o Brasil d vez. Vão todos os repórteres tomar no cú e a puta q os pariu.

  • 2
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    Jean 25/06/2019

    Sinceramente, estamos cansados de ver o governo ser combatido pela rede globo (e pequenas redes lixo), simplesmente pelo fato de cortar verbas que estes anos todos, foram tirados de investimentos importantes para aplicar nesta rede sem vergonha, que nada agrega à sociedade. A globo se esquece de que este povo evoluiu e não é mais conduzido pela sua programação, e sua grande maioria, forma suas próprias opiniões e não acredita mais em suas notícias, onde não se menciona os grandes feitos do governo (que todos os outros jornais noticiam), mas se maximiza coisas irrelevantes na busca de destruir a imagem de um governo, que luta para colocar a economia novamente nos trilhos. Chega, caso o Moro venha a sair do ministério, onde a GRANDE MAIORIA desta nação o aprova, a Rede Globo terá que arcar com as consequências! Pela primeira vez neste país, vamos marchar contra uma Emissora de TV e todas as suas afiliadas em todas as cidades, vamos fechar os seus portões, estancar o veneno na raiz e fazer com que a notícia corra o mundo. Quem manda neste país somos nós, o povo, a maioria! #globolixo

  • 3
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    Sérgio 25/06/2019

    Quando a informação é obtida de fonte anônima, cujo conteúdo é possível de se apurar a veracidade, concordo. Entretanto, quando o conteúdo da informação é obtido de forma fraudulenta, criminosa e não é possível de autenticação de veracidade, discordo. Fomentar o crime a fim de se obter informações, é apologia às atitudes criminosas, é justificar os meios para a sua finalidade. Engraçado que a mídia em geral não deu muito crédito ao que o Pavão Misterioso, cujos indícios deu munição para a Polícia Federal até mesmo prender pessoas que agiram no hackeamento de Procuradores. A IstoÉ até fez uma boa matéria nessa área. Mas "a fonte anônima" do The Intercept é mais confiável, embora não tenha mostrado nenhum material ou indício de prova verossímil que comprove que o que está reproduzindo não é manipulado. Aliás, já foi demonstrado que houve "conversas vazadas" que foram claramente adulteradas, mas ainda continuam dando crédito ao hacker criminoso.

  • 4
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    Paulo 24/06/2019

    Desde quando matérias ou provas obtidas de forma fraudulentas e criminosas têm interesse para a sociedade e que servem como provas em matéria jurídica processual?. Essas "provas" são NULAS e IMPRESTÁVEIS.

  • 5
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    Vinícius 24/06/2019

    A questão não reside na autorização judicial, mas na veracidade de supostas "falas" que sequer podem ser aferidas por perícia, Dessa forma fica fácil incriminar ou absolver alguém!!! Não se trata de criminalização do jornalismo, é necessário haver uma fonte no mínimo confiável e imparcial, predicados que o tal intercPT não possui.

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