1964 em RO – Um ponto perdido no imenso oceano verde da Amazônia

Em realidade Porto Velho surgira em 1907 porque o local inicial (Santo Antonio) para o traçado da ferrovia Madeira-Mamoré representava, devido ao pedral em frente ao então canteiro de obras da ferrovia

Lúcio Albuquerque
Publicada em 04 de junho de 2020 às 12:36
1964 em RO – Um ponto perdido no imenso oceano verde da Amazônia

O Território Federal de Rondônia não passava, como muitas cidades amazônicas, inclusive Manaus, de um ponto perdido naquilo que um ministro classificara de “inferno verde”. Em realidade Porto Velho surgira em 1907 porque o local inicial (Santo Antonio) para o traçado da ferrovia Madeira-Mamoré representava, devido ao pedral em frente ao então canteiro de obras da ferrovia, havendo registro de que pelo menos uma grande embarcação bateu ali e afundou, representando isso um perigo para a navegação de grandes barcos transportadores de insumos e de trabalhadores para a obra que, àquela altura, era a maior de responsabilidade de uma construtora americana  fora dos EUA.

As dificuldades de construção e operação de um porto fluvial, em frente aos rochedos da cachoeira de Santo Antônio, fizeram com que construtores e armadores utilizassem o pequeno porto amazônico localizado 7km abaixo, em local muito mais favorável, onde antes, conforme historiadores, funcionou uma guarnição militar, o que fez o local passar a ser conhecido como “Porto dos Militares” . O porto velho dos militares continuou a ser usado por sua maior segurança, apesar das dificuldades operacionais e da distância até S. Antônio, ponto inicial da EFMM.

A enseada natural, 6 a 7 km à jusante de Santo Antonio, foi dada como a melhor opção e a empresa, mesmo sem a autorização final do governo brasileiro, o que só chegou em 1908, se instalou “de armas e bagagens” em 1907, no local depois chamado “Porto Velho”, um cidade que não tem certidão de nascimento e muito menos de batismo - porque não tem origem definida do nome e, muito menos, uma data oficial em que foi iniciada.
Com a instalação do canteiro de obras da construtora, o local atraiu muitos moradores de outras regiões, e de Santo Antonio, que em 1912 seria município, mas já perdera muito sua importância devido à desidratação causada pela  mudança da sede da obra. A área da ferrovia começava na beira (margem) do Rio Madeira e vinha até, aproximadamente, onde é hoje a Avenida Presidente Dutra. A cidade que surgia em razão da ferrovia atraiu comerciantes, jogadores, prostitutas e todo tipo de gente, incluindo os que desistiam de trabalhar na ferrovia e ficavam perambulando até encontrar, ou não, seu rumo – rumo que em muitas vezes era uma vaga no cemitério municipal.

Na outra extremidade da estrada de ferro estava Guajará-Mirim. A escritora Tereza Chamma em “Guajará-Mirim – A Pérola do Mamoré”  cita narração de Carlos Lopes Vaca, em “Histórias de Guayramerin- Bolívia”, descrevendo “Quando em 1892 se funda Guayramerin, em frente, no lado brasileiro, havia também uma escassa população dedicada quase em sua totalidade à extração da goma” (borracha).

Beneficiada por ser a sede da ferrovia, a cidade que passou a ser chamada Porto Velho se desenvolve, ganha o status de município; era uma autêntica “babel”. Havia em torno de 40 línguas diferentes faladas pelos trabalhadores da construção da Madeira-Mamoré. Havia duas “Porto Velho”, a da área da ferrovia, onde a língua era a inglesa, a Bandeira era a americana, a data maior era o 4 de julho e o dinheiro era dólar. A segurança era feita pelo que o historiador Francisco Matias costuma chamar de “Polícia Chinesa”. Talvez seja lenda, mas moradores mais antigos com os quais eu falei, contavam que quando alguém cometia um crime de um lado, era só atravessar para o outro que ficava tudo sem problema.
Tão logo se instalou o município de Porto Velho, em 1915 – Guajará-Mirim era distrito de Santo Antonio; começaram os atritos entre as administrações norte-americana da EFMM e a brasileira cujo chefe era o superintendente Fernando Guapindaia de Souza Brejense, major da Arma de Artilharia do Exército.

E o ápice do desentendimento aconteceu aconteceu, como narra Antonio Cantanhede, em “Achegas para a História de Porto Velho”, quando a filha do prefeito, a  professora Tevelinda Guapindaia, foi pedir ajuda no comércio para a construção do muro do cemitério. Ela teria sido destratada e dois comerciantes portugueses seriam surrados supostamente a mando do prefeito. 

Aos poucos Porto Velho foi crescendo, apesar do forte impacto da queda do valor da borracha e em 1916 foi feito o primeiro arruamento, conforme o professor Abnael Machado de Lima. De seu lado, Guajará-Mirim só seria município em 1928. Em 1931 a empresa arrendatária  da Madeira-Mamoré requereu ao governo brasileiro que assumisse a ferrovia que teve então seu primeiro diretor brasileiro, o paraense Aluízio Pinheiro Ferreira – episódio que muitos chamam de “nacionalização da Madeira-Mamoré”, negado pelo escritor Manoel Rodrigues Ferreira (A Ferrovia do Diabo) nega, alegando que “Nacionalizar é tornar nacional”, citando que a ferrovia era brasileira desde o início, apenas existia uma concessão de exploração concedido a um empresa estrangeira.

Em 1942, devido às necessidades dos aliados em relação a borracha, foi firmado o Acordo de Washington e através dele começa o segundo e último ciclo da borracha na região, com forte impacto no desenvolvimento nos dois municípios até então existentes, Porto Velho e Guajará-Mirim.

Foto Manoel Rodrigues Ferreira

Para o autor de “Ferrovia do Diabo”, Manoel Rodrigues Ferreira, a EFMM não poderia ter sido nacionalizada porque era uma ferrovia brasileira

Foto inauguração da efmm

Na inauguração da EFMM a bandeira do Brasil está na lateral da composição, no meio. A norteamericana, bem na frente (à direita)

Foto guapindaia

Major Guapindaia, primeiro superintendente (prefeito) de Porto Velho, teve problemas sérios para administrar o município que nascia

Foto navio atracado

Navio com carga trazida para a obra da Madeira-Mamoré, atracado no porto da ferrovia

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