7 de setembro – dependência e morte

“O Grito do Ipiranga”, seria alvo de uma tentativa de “encarnação” por parte de um presidente da República em pleno século XXI

Chico Alencar
Publicada em 08 de setembro de 2021 às 10:13
7 de setembro – dependência e morte

Por Chico Alencar 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

O Berro do “Ih, pirando?”

Pedro Américo

O pintor Pedro Américo (1843-1905), paraibano que passou boa parte de sua vida em Florença (Itália), jamais imaginou que seu quadro histórico-romântico, “O Grito do Ipiranga”, seria alvo de uma tentativa de “encarnação” por parte de um presidente da República em pleno século XXI.

Apresentado em 1888, depois de três anos de elaboração, a tela “colossal”, de 7,6 por 4,15 m, idealiza o ato de rompimento com Portugal, tornando-o um episódio bem mais grandioso do que foi. Em 7 de setembro de 1895 foi aberta à visitação pública, no Museu Paulista.

Bolsonaro deve ter visto a ilustração em algum livro didático, e entrou numa de autoproclamar-se “Imperador”. Aliás, há quem garanta que tem esse delírio absolutista há três anos ou mais…

Nesse 7 de setembro de 2021 pretende estar no centro do retrato. O seu brado será, como alardeia, “ultimato” contra quem “limita seus poderes”. Ultimato que é um “eu te mato” para quem contesta o autocrata, herdeiro do autoritarismo monárquico de D. Pedro I. Dependência (continuada) e morte.

Como na tela de Pedro Américo, Bolsonaro almeja estar sempre cercado de soldados imponentes e de civis subservientes. Quer desembainhar sua espada – enferrujada – e ouvir um “Eu autorizo” para assumir plenos poderes, a revelia da Constituição. Adora montar, a la Mussolini, fogoso cavalo, símbolo real de força guerreira (no quadro, outra “licença pictórica” de Américo, já que, à época, em longas viagens, como a que o Príncipe Regente fazia com sua comitiva a São Paulo, eram usados só burros, mulas e jumentos, mais resistentes…)

A obra de arte que o capitão dos bolsocrentes quer encenar – como farsa – contém detalhes realistas, porém. Na famosa pintura, o povo está à margem: um trabalhador descamisado, conduzindo um carro de bois com toras de madeira (desmatamento inaugural?), olha espantado para aquilo que não lhe dizia respeito. Há também um observador montado num cavalo e um trabalhador negro que se vai, carregando seus cestos, de costas para um “brado” que não foi retumbante nem aboliu a escravidão.

Assim continua o nosso Brasil, com um governo alheio à dor, à exclusão, aos direitos da maioria. O silêncio cúmplice diante de 584 mil famílias enlutadas pela Covid, o atraso e tentativas de corrupção na compra de vacinas, a inflação galopante. O minguado córrego do Ipiranga, na parte baixa da tela, molhando as patas traseiras dos animais em primeiro plano, parece prenunciar a crise hídrica…

Amanhã, uma parada neofascista vai zurrar armamentismo, “voto impresso”, “enquadramento de ministros”, prisão dos comunistas e outras palavras de ordem fora de lugar, estúpidas, desviantes do real. Falas fundamentalistas, e até carta do patético presidiário Roberto Jefferson, incitarão ataques aos prédios do Congresso e do STF. Talvez alguns policiais que estarão lá para proteger os bens públicos façam vista grossa.

Podem chegar a esse ponto, mas não terão como se sustentar, interna e internacionalmente, já no dia 8. Capitólio rides again: lembremos que Trump, o ídolo dos Bolsos, se “trumpou”.

Longe das tinturas obscurantistas dessa “Dependência e morte”, atrasada e vergonhosa, cidadãs e cidadãos brasileir@s realizarão atos em defesa da democracia e da Constituição. É a 27ª edição do Grito dos Excluídos: Independência e vida!

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