A destruição midiática de reputações como ferramenta de acusação

O direito, cuja arena própria de discussão é o Poder Judiciário, tornou-se instrumento de manipulação pelos veículos de comunicação

Por Gustavo Dandolini
Publicada em 09 de setembro de 2020 às 11:34
A destruição midiática de reputações como ferramenta de acusação

Gustavo Dandolini é advogado criminalista

Nos últimos anos, a destruição pública de reputações é uma poderosa ferramenta de antecipação da culpa, violando princípios constitucionais como a presunção de inocência e a paridade de armas. O direito, cuja arena própria de discussão é o Poder Judiciário, tornou-se instrumento de manipulação pelos veículos de comunicação. 

Operações policiais são transformadas em palco de julgamentos morais, a pretexto de servir como meio de informação à sociedade. Delações premiadas são transformadas em provas irrefutáveis, transformando-se num poderoso instrumento de persuasão social, resultando em condenações públicas antecipadas, sem a garantia do devido processo legal.

Pessoas investigadas são transformadas rapidamente em condenados, sem qualquer direito de defesa. Reputações são prematuramente destruídas, por meio de ações legitimadas pelo pretenso direito à informação. Direito à informação que não se limita a informar, mas transcende perigosamente para a esfera condenatória, a margem da lei, valorando fatos e provas com a finalidade de explorar o anseio social por punição, sem qualquer preocupação com o significado de justiça.

Reportagens jornalísticas reservam espaço privilegiado para a acusação expor suas teses e argumentos, antecipando e desvirtuando debates próprios da fase judicial de persecução penal. À defesa reserva-se espaço restrito, normalmente preenchido por uma nota, pela qual o advogado, sem ter acessado o processo, pouco pode fazer para contrapor a acusação. Limitando-se a fazer afirmações genéricas de inocência e crença no sistema judicial, sem qualquer paridade de armas, portanto, sem nenhuma capacidade real de confrontar o poder amplificado da acusação. O direito de defesa agoniza no espaço privilegiado que é reservado a acusação, nos meios de comunicação.

Essa criminalização antecipada não se contenta mais com a destruição de reputações dos investigados, pois agora também investe suas forças poderosas contra os advogados. Criminalizar a advocacia passou a ser estratégia central de desmoralização do direito de defesa, confundindo-se o advogado com o investigado, tudo legitimado pelos tribunais populares que se alastram pelas redes sociais, alimentados pela grande imprensa, sua fonte primária de informação.

Honorários advocatícios passam por um processo midiático de mutação e rapidamente se transformam em atos de corrupção. Delações citam advogados e são divulgadas sem que lhe seja garantido o direito ao contraditório e ao devido processo legal. Quando as delações são anuladas ou invalidadas, como ocorreu recentemente com a de Palocci, o estrago já está feito. Quando os investigados são inocentados, também a destruição de sua honra já se consumou, sendo irreparáveis os danos causados, especialmente quando o investigado é um advogado.

As pessoas que se autodeclaram de bem, peço a seguinte reflexão: seu conceito moral está condicionado ao que a imprensa dirá sobre você, independentemente de sua culpa ou inocência. A criminalização da advocacia é a aniquilação do direito de defesa, garantia constitucional de todos. A quem você recorrerá caso seja acusado de algo? Certamente não será aos órgãos de acusação (polícia e ministério público).

É no advogado que está personificada a sua garantia de defesa, cabendo a este profissional lutar com todas as suas forças para que você tenha um julgamento justo. Pense nisso, pessoa de bem, antes de proferir seu julgamento sumário nas redes sociais.

Comentários

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    Júlio Rocha 13/09/2020

    Concordo facilmente com o teor, exceto que seja um procedimento atual ou que sejam os meios de comunicação os principais CULPÁVEIS. Brutus esfaqueou Júlio César e, de lá pra cá, milhares de casos históricos, bem como milhões de ocorrências pelo mundo, cotidianamente destroem reputações em processos, haja ou não culpa em causa. Além disso, a maior novidade é justamente o MP difundir partes de processo, como o lawfare contra o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em que parecia normal esse uso da imprensa, que, em geral, não faz mais do que cumprir o seu papel de lançar jorros de fumaça onde dizem que há fogo.

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