A falsa confusão entre Forças Armadas legalistas e militares golpistas

Dizer que a instituição não se envolveu com o golpe não é ignorar os oficiais que conspiraram até o 8 de janeiro, escreve Moisés Mendes

Moisés Mendes
Publicada em 22 de janeiro de 2024 às 16:03
A falsa confusão entre Forças Armadas legalistas e militares golpistas

Luís Roberto Barroso, Jair Bolsonaro e militares (Foto: Agência Brasil)

O ministro Luís Roberto Barroso repetiu o que seu colega Alexandre de Moraes já havia dito. Que as Forças Armadas não tiveram envolvimento direto na tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Moraes tem certeza de que em nenhum momento as Forças Armadas, “enquanto instituição, flertaram com essa possibilidade”. Barroso disse que “na hora H, as Forças Armadas ficaram do lado da legalidade”.

Há aparentes sutilezas nas duas declarações, a de Moraes em entrevista à CNN, no início de janeiro, e a de Barroso agora, em palestra no Fórum Econômico Mundial.

Moraes enfatiza que a instituição não se envolveu com o golpe. É uma tentativa, já sugerida por Lula e por seu ministro da Defesa, José Múcio, de preservar as Forças Armadas e separar os golpistas dos legalistas. Que salvem a instituição e sigam em frente.

Já Barroso fala no que teria sido a hora H, o 8 de janeiro. Fica da sua declaração a dúvida sobre um possível vacilo da instituição, até que, na hora H, teria prevalecido a opção pela legalidade.

As duas declarações são, pelo que não dizem, iluminadoras de algumas penumbras que talvez nunca venham a ser totalmente iluminadas. Alguns militares não tinham poder institucional, mas achavam que teriam voz de comando.

Braga Netto, que foi ministro da Defesa e exerceu funções políticas de porte (intervenção no Rio e chefia da Casa Civil), pediu fé aos golpistas depois da eleição.

Mas Braga Netto já era ali, em 18 de novembro de 2022, apenas um homem de fé derrotado na sua ambição de ser o vice de Bolsonaro, que tentaria corrigir na função o desprezo que Hamilton Mourão nutria pelo sujeito.

Braga Netto esperava que, na hora H, a instituição reagisse, por alguns dos seus comandantes? Quais deles? Com quem o general contava para que os militares dessem suporte aos manés de muita ou pouca fé? 

Dos chefes das três armas, que teriam sido consultados por Bolsonaro depois da eleição, para uma avaliação das suas aptidões golpistas, só um, o então líder da Marinha, almirante Almir Garnier, teria manifestado adesão ao plano, conforme versão de Mauro Cid.

O pavio do projeto era a esculhambação, o caos que levaria à intervenção militar, se Bolsonaro fosse derrotado na eleição. Começaram tentando com os bloqueios de estradas. 

Dedicaram-se aos acampamentos nos quartéis. Investiram nos atentados contra torres de transmissão de energia. Exacerbaram as provocações ao Supremo e, finalmente, incitaram a invasão do 8 de janeiro.

Como separar apoios e omissões ditas avulsas, de um lado, e a instituição, de outro? Pergunta-se de novo: as instituições militares não conspiraram contra a eleição, ao levarem até o fim o questionamento do sistema eleitoral e principalmente da segurança das urnas?

Por que gente importante das instituições militares, que ficaram com Bolsonaro até sua fuga para os Estados Unidos, saltaram fora, na hora H? Desistiram porque os comandantes já estavam de saída? 

Em abril de 2022, em palestra, o mesmo Barroso havia dito que as Forças Armadas estavam sendo "orientadas para atacar o processo eleitoral e tentar desacreditá-lo".

E atacaram até a hora H, a hora do desatino, que pode ter servido muito mais para denunciar algumas covardias do que para pôr à prova a racionalidade e o respeito militar à Constituição, ao Supremo e ao presidente eleito.

Militares que poderiam ter contribuído com algo mais para a efetividade do golpe se retiraram, quando perceberam que a invasão de Brasília seria mais uma trapalhada do que uma hora H.

E há um aspecto relevante, que não pode ser subestimado, sob pena de comprometer o conjunto das tentativas de compreensão do que aconteceu muito antes, durante e depois do 8 de janeiro.

Essa é a questão que não pode ser escamoteada: os generais não confiavam na liderança de Bolsonaro. E estavam inseguros diante da mediocridade estratégica dos envolvidos com o plano ou inspiradores do golpe. 

Os generais não confiavam em Bolsonaro, em minutas, em fés e neles mesmos. Como poderiam aderir a um golpe liderado pela Marinha?

Os manés ficaram sozinhos por medo e por covardia dos que, em algum momento, ocuparam as instituições e representaram essas instituições fardadas. 

Dizer que as Forças Armadas não estiveram envolvidas no golpe não é, nem por leitura enviesada, o mesmo que afirmar que não existiram militares golpistas. 

Existiram muitos golpistas das Forças Armadas, pelo menos 22 de alta patente, segundo a CPI do Golpe. Se continuarem impunes, continuarão existindo, prontos para voltar a golpear.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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