A insignificância de Hamilton Mourão até para os colegas fardados

"O então vice-presidente era um invisível, sem protagonismo algum, contra ou a favor, em meio às articulações do golpe", escreve o colunista Moisés Mendes

Moisés Mendes
Publicada em 09 de fevereiro de 2024 às 14:22
A insignificância de Hamilton Mourão até para os colegas fardados

Hamilton Mourão (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

O senador Hamilton Mourão era o vice-presidente da República quando colegas de farda articularam o golpe ao lado de Bolsonaro. E já havia declarado há muito tempo que seria candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul.

Por que esse general poderoso nunca aparece nas conversas sobre o golpe vazadas até agora? O nome de Mourão não é citado entre golpistas e nem entre presumidos legalistas.

Deveria aparecer como legalista, como ele se apresenta. Mas Hamilton Mourão seria mesmo tão medíocre na política, e sem força no meio militar, que seus amigos de farda o ignoravam? 

Por que esse distanciamento dos núcleos de poder do governo, em especial o núcleo fardado? Por que em momento algum o nome de Mourão aparece ao lado de pretensos democratas das Forças Armadas, ativos ou inativos, que poderiam resistir ao assédio de Braga Netto? 

Mourão inexiste em vazamentos em que aparecem até os nomes de militares dos quais pouco ou nada se ouvia falar, como Marcelo Câmara, Rafael Martins, Bernardo Romão Correa Neto, Helio Ferreira Lima e Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros.

Por que falavam de Helio Ferreira Lima e nada falavam de Mourão, como se ele não existisse? Podem dizer que ele não era golpista e era da reserva. Augusto Heleno também era. Naquele cenário, Mourão era o quê? Submisso às vontades de Bolsonaro?

A irrelevância de Mourão no contexto do golpe reafirma a marca da sua passagem pelo governo. O que ele fazia de ação pública percebida era uma declaração à imprensa quando chegava para trabalhar, geralmente oferecida como sobremesa, na hora do almoço, no Jornal Hoje da Globo.

O general largava uma frase feita ou um chiste sobre qualquer assunto e saía rindo, sem que aquela intervenção tivesse qualquer importância. Eram platitudes de um vice divertido.

Mourão sempre foi um figurante alegre. Deveria ter sido o guardião da floresta, como presidente do Conselho Nacional da Amazônia. Não fez nada como gestor e só anunciou que faria alguma coisa quando estava saindo.

A Folha noticiou, em 16 de dezembro de 2022: Mourão lança plano para a Amazônia a 16 dias de deixar cargo e propõe medidas que governo desmontou.

O general sugeria mais recursos para órgãos de fiscalização, ações enérgicas contra desmatamento e uma nova gestão para o Fundo Amazônia.

Tudo a duas semanas de deixar o governo. Mourão apresentava recibo da sua omissão. O desmatamento da Amazônia batia recordes, a delinquência avançava.

Ainda não havia um retrato completo dos crimes cometidos por garimpeiros, grileiros, madeireiros e milicianos protegidos pelo governo, que só iria aparecer por inteiro depois da posse de Lula.

Mas já se sabia que Mourão não havia feito nada de efetivo contra a criminalidade organizada, ou não teria lançado um plano pouco antes de ir embora.

Sabia-se que Bolsonaro havia planejado a entrega da Amazônia a bandidos exterminadores de indígenas. Que grandes grupos financeiros se beneficiavam do garimpo ilegal. Que as facções do tráfico estavam prosperando.

Mas Bolsonaro escolheu Mourão para cuidar da Amazônia. Primeiro, para evitar que se metesse em outras áreas. E depois porque, talvez por conhecer sua inércia, apostava que ele não iria atrapalhar seus planos na região. 

Na Amazônia tomada por todo tipo de bandido, Mourão não teve o que apresentar ao final da sua gestão como guardião-chefe dos conselheiros da floresta. 

Como também não fez nada em meio às facções do golpe. Mesmo que a parte final do plano tenha sido organizada quando ele já era senador eleito. 

Mourão não participava de reuniões, não deliberava nada ao lado de Bolsonaro. Num documentário sobre o golpismo, ele não irá aparecer, nem ao lado e nem contra os golpistas. 

Não será nem figurante nem em qualquer obra de ficção sobre a articulação dos militares. Mourão não aparecerá nem entre os que Braga Netto chamava de cagões.

Mourão conseguiu ser um vice invisível em quatro anos de governo. Hoje, todos sabem, é um senador do mesmo nível de Damares Alves e do Astronauta.

E está aí defendendo a moral das Forças Armadas, na condição de militar graduado e de ponta, o que é um direito seu acionado pelo espírito de corpo. 

Mas com o pretexto de que as ações contra os golpistas provocam instabilidade? Comparando determinações de ministros do Supremo a desatinos de Hitler? Incitando que os militares reajam às investigações? Sugerindo que a Justiça Militar pode se sobrepor ao STF?

Todos os colegas, favoráveis ou contrários ao golpe, sabem que o invisível Hamilton Mourão mais uma vez chega atrasado.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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