Aborto nacionaliza eleição municipal

Agora, para Lira, é tarde: a sociedade está motivada para levar o assunto politicamente explosivo à frente

Fonte: César Fonseca - Publicada em 17 de junho de 2024 às 22:42

Aborto nacionaliza eleição municipal

Arthur Lira (Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)

Aborto muda correlação de forças na política e coloca mulher como maior protagonista no cenário eleitoral nacionalizando a eleição.

O projeto de lei 1904/24, que criminaliza o aborto e a mulher que o pratica, escandalizando o país, muda o cenário político nacional e nacionaliza o aborto como tema predominante na campanha eleitoral municipal/nacional.

O aborto unifica a temática eleitoral, independente da coloração partidária, porque a discussão do assunto vira prioridade para a sociedade, ao largo do debate parlamentar que não escuta sociedade.

O parlamento leva tremenda derrota para a sociedade ao pautar o tema em caráter emergencial, sem discussão com a população.

O assunto foi para as ruas, independente do parlamento, ou melhor, contrário a ele.

Demonstrou o legislativo completo distanciamento de prioridades entre os representantes do povo e o povo em si que se desencanta desses representantes no parlamento.

A desmoralização do Congresso evidencia que a política deixou de ser feita pelos canais institucionais e passa para a rua que não se vê mais representada pelas instituições.

O projeto 1904/24 é a expressão acabada do divórcio entre parlamento e sociedade.

Desmoralizado, o parlamento, agora, tenta, às pressas, reconciliar-se com a sociedade que o está negando por ter perdido a sua utilidade.

A justificativa de uma instituição pública é dada pela sua utilidade, quando deixa de ser útil, deixa de ser verdade.

Não é à toa que, derrotado e desmoralizado, o presidente da Câmara, Arthur Lira(PP-AL), autor da decisão de colocar em votação o projeto 1904, sob pressão da direita e ultradireita ideológica, avessa a povo, volta atrás e diz que não tem mais data para colocar esse projeto em votação no plenário.

Confissão de fracasso. 

Se o assunto fosse a plenário, haveria incêndio no parlamento, simbolicamente.

Temeroso desse desastre e sem autoridade moral para se afirmar autorizado pela sociedade para colocar o assunto em votação no plenário, Lira se apressou em engavetar o assunto.

Deu ruim. 

MOBILIZAÇÃO SOCIAL - Mas, agora, para Lira, é tarde: a sociedade está motivada para levar o assunto politicamente explosivo à frente.

A campanha municipal em escala nacional terá o aborto como tema central, dada a caracterização ideológica que domina a discussão.

A disputa política é, essencialmente, ideológica, como dizia Glauber Rocha, pai do Cinema Novo.

Os religiosos fanáticos, que defendem a fragilização da mulher, impedindo seu protagonismo ao traçar seu próprio destino, estão agora em pânico.

As mulheres despertaram.

À esquerda, à direita ou ao centro, a mulher canta um só canto: liberdade abre as asas sobre nós para decidir nosso próprio destino, o que fazer do nosso corpo.

Os propositores do projeto de lei 1904/24, agora, sob sufoco, temem ser caracterizados de machistas radicais por ver a mulher subordinada ao homem como se fosse dado pela natureza esse poder, e não conquistado pela força política machista capitalista ao longo da história.

Há uma virada na história.

No capitalismo, a mulher é considerada, historicamente, como propriedade do homem, pelo casamento, de modo que acabar com o casamento – que não é o mesmo que acabar com a família – é sua libertação, deixando de ser propriedade para ser social.

MATERIALISMO HISTÓRICO - A lógica materialista da luta social da mulher contra o homem proprietário dela como propriedade particular, dada pela história capitalista, tem no aborto componente essencial.

O tema sai da esfera meramente técnica, para alcançar estágio político.

Trata-se de ver a mulher como agente político social no comando das decisões sobre sua própria sobrevivência, e não como ser manipulado pelo machismo.

Sendo as mulheres maioria eleitoral e tomada pelo poder de consciência de conquista da sua própria identidade como ser social decisivo muda, consequentemente, a correlação de forças políticas no cenário nacional.

O machismo está a um passo para levar sua maior derrota no debate sobre o aborto levado às urnas.

As ruas estão agora empoderadas pelas mulheres e seus aliados em geral para impor à Brasília política uma nova ordem.

O tema ganha relevância política acima das questões meramente econômicas, porque insere na emoção nacional que toda campanha desperta como tema da valorização da dignidade da mulher, afrontada no parlamento pela direita e ultradireita neoliberal machista.

Entre em cena, portanto, luta de classe, politizando o debate sobre o aborto, porque as maiores vítimas dele são as mulheres de baixa renda e as socialmente excluídas do sistema de saúde, que garantem suas vidas.

Por sua vez, o aborto coloca na ordem do dia necessidade de aumento de gastos públicos em saúde para garantir vida digna às mulheres mediante assistência social mais intensa, dando razão ao presidente Lula de que não se deve fazer ajuste fiscal em cima da saúde e da educação que atendem preferencialmente os mais pobres.

César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

651 artigos

Aborto nacionaliza eleição municipal

Agora, para Lira, é tarde: a sociedade está motivada para levar o assunto politicamente explosivo à frente

César Fonseca
Publicada em 17 de junho de 2024 às 22:42
Aborto nacionaliza eleição municipal

Arthur Lira (Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)

Aborto muda correlação de forças na política e coloca mulher como maior protagonista no cenário eleitoral nacionalizando a eleição.

O projeto de lei 1904/24, que criminaliza o aborto e a mulher que o pratica, escandalizando o país, muda o cenário político nacional e nacionaliza o aborto como tema predominante na campanha eleitoral municipal/nacional.

O aborto unifica a temática eleitoral, independente da coloração partidária, porque a discussão do assunto vira prioridade para a sociedade, ao largo do debate parlamentar que não escuta sociedade.

O parlamento leva tremenda derrota para a sociedade ao pautar o tema em caráter emergencial, sem discussão com a população.

O assunto foi para as ruas, independente do parlamento, ou melhor, contrário a ele.

Demonstrou o legislativo completo distanciamento de prioridades entre os representantes do povo e o povo em si que se desencanta desses representantes no parlamento.

A desmoralização do Congresso evidencia que a política deixou de ser feita pelos canais institucionais e passa para a rua que não se vê mais representada pelas instituições.

O projeto 1904/24 é a expressão acabada do divórcio entre parlamento e sociedade.

Desmoralizado, o parlamento, agora, tenta, às pressas, reconciliar-se com a sociedade que o está negando por ter perdido a sua utilidade.

A justificativa de uma instituição pública é dada pela sua utilidade, quando deixa de ser útil, deixa de ser verdade.

Não é à toa que, derrotado e desmoralizado, o presidente da Câmara, Arthur Lira(PP-AL), autor da decisão de colocar em votação o projeto 1904, sob pressão da direita e ultradireita ideológica, avessa a povo, volta atrás e diz que não tem mais data para colocar esse projeto em votação no plenário.

Confissão de fracasso. 

Se o assunto fosse a plenário, haveria incêndio no parlamento, simbolicamente.

Temeroso desse desastre e sem autoridade moral para se afirmar autorizado pela sociedade para colocar o assunto em votação no plenário, Lira se apressou em engavetar o assunto.

Deu ruim. 

MOBILIZAÇÃO SOCIAL - Mas, agora, para Lira, é tarde: a sociedade está motivada para levar o assunto politicamente explosivo à frente.

A campanha municipal em escala nacional terá o aborto como tema central, dada a caracterização ideológica que domina a discussão.

A disputa política é, essencialmente, ideológica, como dizia Glauber Rocha, pai do Cinema Novo.

Os religiosos fanáticos, que defendem a fragilização da mulher, impedindo seu protagonismo ao traçar seu próprio destino, estão agora em pânico.

As mulheres despertaram.

À esquerda, à direita ou ao centro, a mulher canta um só canto: liberdade abre as asas sobre nós para decidir nosso próprio destino, o que fazer do nosso corpo.

Os propositores do projeto de lei 1904/24, agora, sob sufoco, temem ser caracterizados de machistas radicais por ver a mulher subordinada ao homem como se fosse dado pela natureza esse poder, e não conquistado pela força política machista capitalista ao longo da história.

Há uma virada na história.

No capitalismo, a mulher é considerada, historicamente, como propriedade do homem, pelo casamento, de modo que acabar com o casamento – que não é o mesmo que acabar com a família – é sua libertação, deixando de ser propriedade para ser social.

MATERIALISMO HISTÓRICO - A lógica materialista da luta social da mulher contra o homem proprietário dela como propriedade particular, dada pela história capitalista, tem no aborto componente essencial.

O tema sai da esfera meramente técnica, para alcançar estágio político.

Trata-se de ver a mulher como agente político social no comando das decisões sobre sua própria sobrevivência, e não como ser manipulado pelo machismo.

Sendo as mulheres maioria eleitoral e tomada pelo poder de consciência de conquista da sua própria identidade como ser social decisivo muda, consequentemente, a correlação de forças políticas no cenário nacional.

O machismo está a um passo para levar sua maior derrota no debate sobre o aborto levado às urnas.

As ruas estão agora empoderadas pelas mulheres e seus aliados em geral para impor à Brasília política uma nova ordem.

O tema ganha relevância política acima das questões meramente econômicas, porque insere na emoção nacional que toda campanha desperta como tema da valorização da dignidade da mulher, afrontada no parlamento pela direita e ultradireita neoliberal machista.

Entre em cena, portanto, luta de classe, politizando o debate sobre o aborto, porque as maiores vítimas dele são as mulheres de baixa renda e as socialmente excluídas do sistema de saúde, que garantem suas vidas.

Por sua vez, o aborto coloca na ordem do dia necessidade de aumento de gastos públicos em saúde para garantir vida digna às mulheres mediante assistência social mais intensa, dando razão ao presidente Lula de que não se deve fazer ajuste fiscal em cima da saúde e da educação que atendem preferencialmente os mais pobres.

César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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