Carta a Lula sobre o aborto

'Punir as mulheres que fazem aborto além de ser um gesto autoritário e religioso é também um gesto machista e misógino', escreve o colunista Miguel Paiva

Fonte: Miguel Paiva - Publicada em 17 de junho de 2024 às 21:59

Carta a Lula sobre o aborto

Janja e Lula (Foto: Miguel Paiva)

Caro, presidente. Tenho a maior admiração pelo senhor além de ser seu eleitor desde sempre. Aposto no governo e dou o maior apoio a tudo que é feito. Entendo a importância da política que foi demonizada nesses anos passados e sei ver, lá na frente, os resultados positivos possíveis. Tudo bem, mas existe um aspecto da nossa história, do que fazemos aqui neste período em que vivemos junto aos outros que é a nossa imagem. A sua, presidente Lula, sempre foi impecável. Um exemplo de persistência, resiliência, força e consciência. É a essa parte sua que faço esse apelo.

Uma pessoa com a sua história não pode errar desse jeito. Ser contra o aborto é um direito seu como é o de ser a favor. É uma questão de foro íntimo que não deve ser tratada como questão jurídica ou policial. Ser contra o aborto como o senhor se manifesta não justifica que o aborto tenha que ser punido. A escolha de uma mulher sobre o seu próprio corpo deveria ser sagrada e respeitada. Qualquer atitude em contrário, condenando o aborto, passa a ser uma decisão religiosa e que num país teoricamente laico, assume uma gravidade ainda maior.

Punir as mulheres que fazem aborto além de ser um gesto autoritário e religioso é também um gesto machista e misógino. Prever uma punição para quem aborta, seja a mulher ou o médico é transgredir qualquer regra de civilidade ou modernidade. É voltar à idade média onde a religião que determinavam o comportamento feminino.

É mole carregar essa imagem pela frente? É fácil tocar o barco pensando em não perder votos à direita, mas correndo um sério risco de perder à esquerda? Se posicionar desse jeito, sendo a favor de uma punição para quem faz aborto, mesmo achando uma insanidade ela ser maior do que a pena para o estupro não muda em nada a história. Só tira quem opina da posição de desumanidade total. De uma posição de fascismo e crueldade absolutas e coloca você na posição “per bene” de alguém da sociedade, masculina e religiosa, que precisa reorganizar uma certa ordem nessa inquietação feminina de decidir o próprio destino.

É isso. No fundo é isso. Qualquer posição contra a liberdade das mulheres de abortar é assumir uma posição religiosa, reacionária e inaceitável para um homem que se diz progressista. Ser contra o aborto é um direito, mas concordar com uma punição ao gesto é condenável e reacionário. Ouça sua esposa, presidente Lula. Ela certamente não deve pensar assim. A política pode ser um balizador de atitudes ponderadas, mas a História é implacável com quem não se liga. Para entrar para a História é preciso coragem e honestidade diante do que acontece no mundo. É o que eu peço, presidente. Mantenha meu voto no senhor. Ele é muito importante. Mais do que esses falsos moralistas que querem acabar com a nossa vida.

Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

2012 artigos

Carta a Lula sobre o aborto

'Punir as mulheres que fazem aborto além de ser um gesto autoritário e religioso é também um gesto machista e misógino', escreve o colunista Miguel Paiva

Miguel Paiva
Publicada em 17 de junho de 2024 às 21:59
Carta a Lula sobre o aborto

Janja e Lula (Foto: Miguel Paiva)

Caro, presidente. Tenho a maior admiração pelo senhor além de ser seu eleitor desde sempre. Aposto no governo e dou o maior apoio a tudo que é feito. Entendo a importância da política que foi demonizada nesses anos passados e sei ver, lá na frente, os resultados positivos possíveis. Tudo bem, mas existe um aspecto da nossa história, do que fazemos aqui neste período em que vivemos junto aos outros que é a nossa imagem. A sua, presidente Lula, sempre foi impecável. Um exemplo de persistência, resiliência, força e consciência. É a essa parte sua que faço esse apelo.

Uma pessoa com a sua história não pode errar desse jeito. Ser contra o aborto é um direito seu como é o de ser a favor. É uma questão de foro íntimo que não deve ser tratada como questão jurídica ou policial. Ser contra o aborto como o senhor se manifesta não justifica que o aborto tenha que ser punido. A escolha de uma mulher sobre o seu próprio corpo deveria ser sagrada e respeitada. Qualquer atitude em contrário, condenando o aborto, passa a ser uma decisão religiosa e que num país teoricamente laico, assume uma gravidade ainda maior.

Punir as mulheres que fazem aborto além de ser um gesto autoritário e religioso é também um gesto machista e misógino. Prever uma punição para quem aborta, seja a mulher ou o médico é transgredir qualquer regra de civilidade ou modernidade. É voltar à idade média onde a religião que determinavam o comportamento feminino.

É mole carregar essa imagem pela frente? É fácil tocar o barco pensando em não perder votos à direita, mas correndo um sério risco de perder à esquerda? Se posicionar desse jeito, sendo a favor de uma punição para quem faz aborto, mesmo achando uma insanidade ela ser maior do que a pena para o estupro não muda em nada a história. Só tira quem opina da posição de desumanidade total. De uma posição de fascismo e crueldade absolutas e coloca você na posição “per bene” de alguém da sociedade, masculina e religiosa, que precisa reorganizar uma certa ordem nessa inquietação feminina de decidir o próprio destino.

É isso. No fundo é isso. Qualquer posição contra a liberdade das mulheres de abortar é assumir uma posição religiosa, reacionária e inaceitável para um homem que se diz progressista. Ser contra o aborto é um direito, mas concordar com uma punição ao gesto é condenável e reacionário. Ouça sua esposa, presidente Lula. Ela certamente não deve pensar assim. A política pode ser um balizador de atitudes ponderadas, mas a História é implacável com quem não se liga. Para entrar para a História é preciso coragem e honestidade diante do que acontece no mundo. É o que eu peço, presidente. Mantenha meu voto no senhor. Ele é muito importante. Mais do que esses falsos moralistas que querem acabar com a nossa vida.

Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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