Acelera-se o processo de cozimento de Bolsonaro
O filho Flávio fez questão de dizer de forma direta, sem mandar recados por terceiros aos amigos da imprensa, que o pai pode desistir do Brasil
Jair Bolsonaro (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)
Flávio Bolsonaro saiu a avisar no sábado, como se produzisse informação nova e impactante, que talvez o pai nunca mais retorne ao Brasil.
Causaria mais impacto e comoção se informasse que deixaremos de importar filé de bacalhau da Noruega. A manchete virou notinhas de indiferença nos jornais.
Bolsonaro está sendo cozido por um conjunto de cozinheiros, cada um com seu ritmo e seu tempero, mas nenhum deles com pressa. Pouco importa se volta ou não.
O cozimento é conduzido por Alexandre de Moraes, por todo o TSE, pelo Ministério Público que agora pode fazer o que a Procuradoria-Geral da República não vinha fazendo e por parceiros com ou sem cópias da minuta do golpe.
É um cozimento controlado ou acompanhado a uma certa distância por Valdemar Costa Neto e por todo o PL, por Arthur Lira, pelos generais que vieram com ele até aqui e estão no modo assustado e por gente agora graúda, como Tarcísio de Freitas.
O cozimento de Bolsonaro, que não é fritura, é cozimento mesmo, interessa a Tarcísio, que não sabe medir direito ainda, e vai demorar a descobrir, o que ganha e perde tendo seu nome e seu governo ligados ao ao líder alquebrado.
Bolsonaro é, desde a fuga para Orlando, o sapo do fascismo em banho-maria. O sapo que ricos e classe média tiveram que ruminar, e nem sempre engolir totalmente, por quatro anos.
O sapo fica ali quieto, na água aparentemente morna, às vezes se mexe, movimenta as perninhas, chega a fazer arminha e estranha o ambiente.
Mas continua testando sua capacidade de aguentar a quentura, até porque um sapo em Orlando, nessas circunstâncias, não entende direito o que está acontecendo.
Gente com mandato, que não seria quase nada sem a força de Bolsonaro (Mourão, o Astronauta, Damares, Tarcísio), e toda a gigantesca base inédita de extrema direita no Congresso sabem que Bolsonaro é uma incógnita política, mas desde já incapaz de repetir o milagre de ajudar a eleger até Sergio Moro.
O filho Flávio fez questão de dizer de forma direta, sem mandar recados por terceiros aos amigos da imprensa, que o pai pode desistir do Brasil.
Quis anunciar, sem intermediários, que o pai está desopilando (a expressão é dele) e que deve ser visto como alguém que tira férias. E que não teme a Justiça, porque não há como vinculá-lo ao terrorismo de 8 de janeiro.
Bolsonaro mandou dizer pelo filho que os manés presos devem se virar sozinhos, porque não pode assumir nada e talvez nem volte para ajudá-los. Foram incitados a um desatino, mas agora é cada um por si.
Mourão, Tarcísio, Zema e outros que já andam de skate no vácuo de Bolsonaro não acreditam na sobrevida do sujeito.
Mas como todos eles, que desejam ficar com o espólio da direita extremada, depois da morte política de Bolsonaro, irão calibrar apelos ao bolsonarismo sem cair no fosso que sugou o fascismo no 8 de janeiro?
Ao dizer que o pai talvez nem retorne, Flávio procurou testar reações. Mas, antes, acabou conduzindo aliados e não-aliados a uma conclusão sobre a desimportância do homem que desopila.
Se Bolsonaro é capaz de mandar dizer que talvez não volte, está posto que ele nem precisa voltar mesmo. Não se viu ninguém lamentando que essa hipótese seria num desastre.
Bolsonaro avisa que talvez fique para sempre fora do Brasil, não se sabe onde, e não provoca nenhuma comoção. A indiferença diante da ameaça da farsa do desterro passa a ser parte do cozimento.
Dependendo do que acontecer com o pai, muita coisa pode acontecer com os filhos, com o entorno, com os militares que andam quietos e com gente até hoje intocada implicada em crimes graves do relatório da CPI da Covid.
Bolsonaro vai apostar em barbeiragens improváveis de Lula, imagina que possa interferir nas eleições de 2024, mesmo que fique inelegível pelo TSE ainda em 2023, avalia o impacto das prisões de manés, mede os movimentos de Alexandre de Moraes e finge que desopila.
A solidão, a inelegibilidade e a incompetência para planejar uma sobrevida sem mandato e sem imunidades vão apressar o processo de cozimento. O que ele pode ter mais adiante não é protagonismo algum, mas desprezo, esquecimento, traição e abandono.
Por isso nenhum dos jornalões deu muita bola para o aviso de que o sujeito talvez não volte nunca mais.
A notícia ficou pelos cantos. E assim o criador Bolsonaro vai sendo cozido até por criaturas que deveriam fingir que tentam salvá-lo.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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