Ações públicas que enfraquecem o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro

Portanto, é imprescindível que todos nós, brasileiros, atuemos como protagonistas nessa batalha. Não é hora de retroceder, precisamos pôr em prática o nosso lema, afinal, andar para trás não se encaixa em "Ordem e Progresso"

Por Sabrina Trevisan
Publicada em 16 de setembro de 2020 às 13:20
Ações públicas que enfraquecem o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro

Os brasileiros testemunham cada vez mais movimentos no setor público e privado buscando o aprimoramento ou a implantação de programas de compliance, que está em alta no Brasil. Embora os números ainda não sejam ideais, é inegável o aumento da aderência ao tema pelo universo empresarial brasileiro. No entanto, algumas ações externas, por parte do governo e dos órgãos regulamentadores, merecem atenção, pois acabam dificultando o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no País.

Recentemente, tivemos o episódio da adoção de uma nova cédula no sistema financeiro nacional no valor de 200 reais, anunciada recentemente pelo Banco Central. A novidade gerou muitas críticas por caminhar na contramão do restante do mundo, sob o prisma de que as notas maiores favorecem o armazenamento, o transporte e a realização de operações envolvendo dinheiro em espécie - um forte indicador de lavagem. Na ocasião, o Banco Central apresentou suas justificativas para a adoção, mas aparentemente não deu importância para os cartões vermelhos que a acompanham.

Enquanto caminhamos para inserir no mercado uma cédula com o dobro do valor da maior nota que possuímos atualmente, a União Europeia retira de seu sistema financeiro a maior cédula de Euro que possuía. Há também o exemplo da Índia, que na mesma linha da UE, passou a adotar medidas de limitação do uso de dinheiro em espécie como forma de combater sonegações, lavagem e outros crimes financeiros. Apesar dos exemplos que podemos extrair do velho mundo, no Brasil, infelizmente, optamos por seguir o caminho oposto.

Outra ação recente que dificulta o combate à lavagem de dinheiro no País é protagonizada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que decidiu ampliar o valor mínimo de transações financeiras fora do Brasil que deve ser declarado ao Banco Central, passando de R$ 10 mil para R$ 100 mil. Dessa forma, assim que a nova regra passar a vigorar, em setembro de 2020, menos comunicações serão realizadas, ou seja, maior será o número de transações realizadas sem a devida ciência do Banco.

Além disso, o CMN também optou por mexer na declaração anual de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). Com a atualização da regra, brasileiros ou estrangeiros residentes no País que possuem investimentos no exterior devem comunicar ao Banco Central somente valores que totalizem US$ 1 milhão ou mais, levando em consideração sua somatória. Até então, o gatilho da comunicação partia de US$ 100 mil, apenas 10% do novo valor. O CBE auxilia na medição do quão internacionalizada está a nossa economia, além de servir como ferramenta importante para análises de evasão de divisas, ofensas tributárias e indicadores de lavagem de dinheiro com esquemas multinacionais.

No campo da corrupção, também temos ações que a facilitam e enfraquecem seu combate. Diante da pandemia do Coronavírus, o governo editou a medida provisória 961/20, que flexibiliza as regras para a administração pública contratar particulares. Com esse abrandamento das normas e sem o devido reforço nos mecanismos de detecção de fraude, ampliaram-se as oportunidades para os criminosos. A Polícia Federal já informou que calcula que os desvios financeiros decorrentes de contratações emergenciais que dispensam licitação estejam na casa dos R$ 120 milhões, sem mencionar os desvios de recursos doados por particulares para o combate à pandemia, que também se alojam na casa dos milhões de reais.

Cabe também destacar a nova proposta de cooperação entre órgãos governamentais e fiscalizadores que atuam em acordos de leniência, alegando o intuito de facilitar a comunicação e a troca de informações entre eles. A principal crítica que paira sobre o tema é a exclusão de instituições de extrema importância para o instituto da leniência e combate à corrupção no país, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e, o que mais chama atenção, o Ministério Público Federal (MPF).

Deixar o MPF de fora do novo balcão único dos acordos de leniência pode significar um retrocesso no combate à corrupção e outros ilícitos, uma vez que o órgão detém uma independência organizacional no sistema, um dos principais fatores para que a identificação e a investigação desses atos ocorram com sucesso. Tal autonomia não se verifica em instituições que assinaram o termo, como a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), pois estes integram a escala hierárquica do governo, o que pode dificultar o aprofundamento das análises.

Os acordos de leniência desempenham um papel fundamental para o combate à corrupção e é um instituto presente em diversos países ao redor do mundo. No Brasil, viabilizou a recuperação de R$ 26 bilhões em recursos desviados nessa prática e demais ações de improbidade administrativa, que não beneficiam somente o governo. Isso porque, a Petrobrás, uma das principais entidades lesadas pela corrupção no País, já reintegrou montantes na casa dos R$ 265 milhões que haviam sido desviados de seus cofres com essa prática criminosa.

Embora o Compliance e os temas voltados à ética e à integridade sejam preocupações cada vez maiores pela população do Brasil e algumas instituições privadas, ainda temos um longo caminho pela frente. Portanto, é imprescindível que todos nós, brasileiros, atuemos como protagonistas nessa batalha. Não é hora de retroceder, precisamos pôr em prática o nosso lema, afinal, andar para trás não se encaixa em "Ordem e Progresso".

*Sabrina Trevisan é advogada e consultora de compliance da ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.

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