Aos amigos e parentes que perderam a cor e o calor
Em 2014 lá estava eu, como agora, gastando saliva ou dedos em exaustivos debates com amigos e parentes sobre a disputa presidencial.
Em 2014 lá estava eu, como agora, gastando saliva ou dedos em exaustivos debates com amigos e parentes sobre a disputa presidencial.
Por um dever de consciência lancei uma campanha nas redes sociais que consistia em promover o diálogo civilizado com fotos de eleitores de Dilma e Aécio, juntos.
Parecia claro e ainda parece, que a divergência sobre política pode afrouxar, mas não arrebentar laços afetivos.
A gente debatia sobre o Bolsa Família, o papo furado da meritocracia, a reserva de vagas por cotas raciais em instituições públicas ou privadas e como deveriam ser as reformas trabalhista, política e da previdência.
Não tive muito desgosto com gente que optou por Aécio, lançando bombas de preconceito em direção ao Nordeste, misóginas contra Dilma e desapiedadas contra os mais pobres.
O que fiz há quatro anos para estimular o convívio com tolerância e respeito, agora não.
Na última eleição presidencial computei apenas três bloqueios no facebook por conta de debates inúteis ou ofensivos. Em 2016, três vezes mais que isso.
Perdi as contas no primeiro turno desta.
Não é uma opção tolerar o intolerável.
Quem apoia Bolsonaro não tem desculpas, por mais que tente arrumar.
Estamos diante de dois candidatos em inequívoca oposição, democracia ou autoritarismo.
E isso está claro não pela minha opinião, mas pelo que cada um já demonstrou com declarações e gestos.
Haddad, por mais desgosto que alguém tenha contra o seu partido, o PT, não esboçou nenhuma ameaça à democracia e aos marcos civilizatórios que nortearam a nossa Constituição Cidadã.
Não bastasse tudo de abominável que Bolsonaro falou contra as mulheres, os homossexuais, os direitos humanos e que desencadeou uma onda de violência, neste segundo turno ameaçou a imprensa, partidos, políticos e militantes da esquerda.
“Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse.
Como fazer questão de estar com quem relativiza uma ameaça dessa gravidade?
“Aos males da democracia, mais democracia! ”
Se 1/3 dos que declaram voto a ele lessem seu ‘plano de governo’ com a cabeça e não com a barriga, certamente mudariam de voto tamanha a impossibilidade ou ineficácia das propostas.
Bolsonaro promete criar de direito que já existe a benefícios que não pode entregar.
O ‘ungido’ com fraudes nas redes sociais não só se recusou ao debate, mas impediu o direito do outro candidato a apresentar suas propostas.
Com que amigo ou parente que ache tudo isso normal, democrático, vale a pena se reunir para assar uma carne e tomar cerveja?
A romântica ilusão de harmonia familiar se sustenta quando um parente apoia perseguição e morte a outro?
Como brindar com amigo que sabe que muitos vão sofrer com um presidente que apoia tortura, banaliza estupro, despreza o meio ambiente, os índios e os homossexuais?
Bolsonaro, além de ruim é mentiroso.
Mente a seus eleitores, que mentem a si mesmos.
Não vou fingir ficar à vontade e alegre com quem apoiou um candidato com características de um ditador.
Queria não saber quem vota nele, mas para muitos e para mim é tarde demais.
Vou dar um tempo de muita gente.
Meu distanciamento é uma fuga.
Até quando? Não sei.
O amor cura tudo, dizem.
Só sei do agora e me faz muito mal estar com gente com uma frieza de porão de ditadura.
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