João Miras
Antigamente, o que poderia haver em termos de notícias equivocadas estava nos meios de comunicação. Eram mais institucionais, e, às vezes, até corrigidas pelos próprios órgãos de imprensa.
Além dos erros, havia também o que era conhecido como versão ou, para os adeptos das expressões de moda, tinha uma narrativa que tecnicamente chamávamos de editoria ou abordagem. Essa curadoria, digamos assim, dos acontecimentos a que chamamos fatos, era exercida por profissionais da comunicação social, notadamente os da cadeira de jornalismo, em funções editoriais de empresas de notícias estabelecidas e reconhecidas em suas comunidades, fossem elas municipais, regionais, estaduais, nacionais e até internacionais, como é o caso das grandes marcas do jornalismo mundial.
Mas muita coisa mudou desde a introdução das novas mídias proliferadas a partir da invenção da internet e da conexão on-line em tempo real e integral, inclusive com a convergência da comunicação gráfica e audiovisual.
O que mudou modernamente é que o fato, matéria-prima da informação, deixou de ser regulado e modelado por técnicos de linguagem em versões oficiais de empresas especializadas em coletá-los e levá-los enquanto produto de consumo patrocinado por empresas por meio da publicidade. Eles, os fatos, transformaram-se em insumo pessoal da vida do cidadão comum. Assim, pessoas normais, em seu dia a dia, são notícia, elaboram notícia, produzem notícia e compartilham notícia por conta própria e a partir do filtro pessoal de sua formação educacional e cultural. O que era commodity virou insumo e se vulgarizou.
Vivemos, então, a Babel das versões e contraversões, dos fatos e contrafatos, das opiniões e refutações, que, sem pudor, descambam, ao modo da intolerância dos incultos, para agressões, insultos e odiosos preconceitos. A não mediação do técnico em comunicação proliferou os ódios.
As incertezas do momento presente, geradas por essa tecnologia posta na mão de todos, gira na nossa cabeça como uma ressaca ou uma noite mal dormida, mas já começamos a entender melhor o processo e constatar que os pilares da vida social, também no caso dessa revolução tecnológica da informação, serão balizadores. Conceitos como reputação, credibilidade e confiança continuarão pautando a busca pela informação de qualidade.
Então não há motivo para desesperança. A evolução sempre vem para... continuar evoluindo. A fase dos haters passará. O processo de amadurecimento do uso dessa nova forma de manifestação cultural individual vai se ver cada vez mais qualificada e até profissionalizada pelo próprio uso e a experiência adquirida, e servirá como mecanismo de conhecimento e aprendizado: cultura, portanto.
As populações já estão expostas hoje a esta nova forma de cultura. A convergência digital não abarcou só a comunicação social. Abarcou a cultura, a política e a ciência, também porque somos seres em mutação — em constante adaptação. Estamos presentes (on-line) respondendo a chamada da professora da classe da vida que é essa internet multifacetada e de tal amplitude que até parece maior que o mundo físico.
Tudo vai se assentar e a curadoria vai também se ampliar exponencialmente, como a própria proliferação do acesso. No futuro, teremos profissionais de comunicação gerenciando todos aqueles formadores de notícia e opinião que tiverem relevância comunitária. Quem não tiver padrão vai perder representação. Isso é natural no processo de qualificação dos conteúdos.
Mas, enquanto isso, o que fazemos com essas malditas fake news? Eu tenho algumas teses que já vêm sendo constituídas nos últimos anos a partir da minha experiência em publicidade institucional, notadamente no planejamento estratégico de comunicação de governos, prefeituras, mandatos parlamentares e em campanhas eleitorais para variados cargos eletivos.
Para a compreensão de como combater as fake news, o melhor caminho foi metodologizar e identificar as características principais inerentes às mais comuns formas em que essa falsidade se apresenta, facilitando, assim, o estabelecimento de um elenco de situações, e categorizá-las para facilitar a checagem pelo próprio cidadão comum. Sim, porque só o indivíduo e as corporações de produção de notícias sérias podem apontar onde estão as fake news. Assim, vejamos como identificar uma:
Em primeiro lugar, é preciso que você: 1) Leia a notícia inteira, não apenas seu título; 2) Cheque a fonte e a autoria da notícia; 3) Digite o título da notícia recebida em um buscador como o Google; 4) Destrinche os fatos da notícia e tente checá-los individualmente; 5) Se for uma imagem, faça uma busca reversa por ela no Google (é fácil); 6) É um áudio ou um vídeo? Resuma o acontecimento e faça uma pesquisa no buscador; 7) Pergunte à pessoa que encaminhou a notícia de quem ela recebeu e se essa pessoa conseguiu verificar a informação e, por último, mas muito importante, não compartilhe se não tiver certeza de que a notícia é verdadeira.
Mas, se ainda assim você não tem tempo para todos esses passos, há uma forma mais simples, que está sendo chamada no meio publicitário de checagem dos 5 Cs, que se baseia em 5 termos que começam com a letra C: 1) Contexto; 2) Comparação; 3) Credibilidade; 4) Corroboração e 5) Construção. Fazendo a checagem desses 5 Cs, você poderá se certificar quanto à veracidade da informação.
1º Contexto: Data em que foi escrito... Quando foi escrito? Existem notícias mais recentes?
2º Credibilidade: Quem é o autor? Qual a reputação do site ou rede social? As fontes são confiáveis? É de humor ou satírico? É propaganda (inclusive política) disfarçada de notícia?
3º Construção: O texto é baseado em fatos ou opiniões? Qual a tendência da publicação?
4º Corroboração: Outros veículos confiáveis estão fazendo a mesma afirmação? Sites ou jornais de renome e história na mídia estão abordando esse assunto ou tema?
5º Comparação: Compare com outros veículos, analise diferentes perspectivas sempre antes de republicar ou endossar.
Seguindo esses passos, combateremos o vírus da mentira ou fake news dentro do nosso próprio organismo social com transparência e senso crítico. Credenciaremos nossa sociedade, elevaremos o nível do debate e nos honraremos como país que não faz concessão à retórica oportunista em busca de vantagens ilícitas para suas causas e interesses. Precisamos crescer, amadurecer e prosperar na conversão para a verdade, esteja ela onde estiver... E é preciso buscá-la e encontrá-la. As futuras gerações merecem essa herança que precisamos deixar.
Obs: é proibido reproduzir esse artigo sem os créditos do autor.
Sobre João Miras:
João Miras é um publicitário ítalo-brasileiro de 56 anos, que já trabalhou em dezenas de cidades, 13 estados brasileiros e em outros quatro países. Realizou mais de 170 trabalhos em 40 anos de profissão. Notabilizou-se na publicidade governamental e eleitoral atuando para agências, produtoras, institutos de pesquisa, partidos e empresas.
Estrategista de marketing político, é reconhecido como um dos grandes public brand makers do Brasil por ter se especializado em planejamento estratégico de comunicação para governos e prefeituras com foco na construção de marcas de governança.
Autor de dois livros, orientador acadêmico, influenciador digital (20.000 seguidores no Twitter e Facebook) e palestrante com mais de 300 conferências — como as realizadas para a fundação alemã de estudos políticos Konrad Adenauer e várias universidades —, é também referência no meio acadêmico como fonte de pesquisa para defesa de teses em várias universidades, como PUC, Unicamp, entre outras.
Teve seu trabalho citado em livros e, além de ser um dos pioneiros em public branded content, é especialista em neuromarketing e comunicação subliminar, tendo concedido centenas de entrevistas e escrito artigos para os principais jornais, TVs e portais do Brasil e outros países.
Além de outras agências, foi Diretor de Operações da Propeg-CP, uma das maiores e mais premiadas do Brasil, colecionando prêmios nacionais e internacionais e nove vezes o prêmio de "Agência do Ano".
Experiente roteirista, diretor e editor é conteudista de vídeos governamentais, eleitorais e de empresas públicas com foco em marketing digital (redes sociais e canais on-line). Também ministrou cursos de formação política para as executivas dos maiores partidos do Brasil.
Foi representante brasileiro no 1º Congresso Latino-Americano de Consultores Políticos, realizado em San José, Costa Rica, na América Central em 2002, e é integrante da Alacop (Associação Latino-Americana de Consultores Políticos), EAPC (European Association Political Consultant) e um dos primeiros filiados da Abcop (Associação Brasileira de Consultores Políticos).
Aspectos inovadores do trabalho de comunicação executado ao longo de décadas por ele foram tema de três teses de doutorado. Mantém escritórios no Sudeste brasileiro e nos EUA.
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