Autistas e familiares destacam avanços, mas relatam falta de atenção do Estado
Estima-se que 70 milhões de pessoas no mundo tenham autismo, sendo 2 milhões delas no Brasil.
A audiência para celebrar o Dia Mundial do Orgulho Autista foi presidida pelo senador Paulo Paim (C)
Geraldo Magela/Agência Senado
Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta segunda-feira (18), para celebrar o Dia Mundial do Orgulho Autista, participantes comemoraram o avanço de duas propostas em análise no Congresso que podem ajudar a melhorar vida das pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Uma delas é a Sugestão Legislativa (SUG 21/2017), transformada em projeto de lei (PLS 169/2018), para assegurar a criação de centros de atendimento integral aos autistas, mantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A sugestão foi aprovada em 4 de abril, depois de reunião em que pais cobraram o cumprimento da lei específica para os autistas, a Lei Berenice Piana (Lei 12.764), aprovada em 2012, e atenção especial aos jovens e adultos com TEA. O projeto que resultou da sugestão aguarda votação na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
— É uma luta muito grande que temos. Gostaríamos que nossos meninos fossem atendidos nos CAPS [Centros de Atenção Psicossocial], mas infelizmente os CAPS não suportam nem quem já está lá - disse Fernando Cotta, pai de autista severo e diretor-presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab).
Censo
Outra demanda antiga do Moab é a aprovação do PL 6575/2016, da deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC), que torna obrigatória a coleta de dados e informações a respeito das pessoas com espectro autista nos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ser realizado a partir de 2020. O projeto tramita em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Se aprovada a admissibilidade, a proposta será encaminhada ao Senado.
Estima-se que 70 milhões de pessoas no mundo tenham autismo, sendo 2 milhões delas no Brasil, mas até hoje nenhum levantamento foi realizado no país para identificar essa população. Segundo César Martins, coordenador do Moab e pai de autista, o censo vai ajudar a direcionar políticas públicas e fortalecerá a luta dos autistas.
— A gente meio que anda às escuras. Esse censo é importante porque as políticas públicas precisam ser baseadas em boas informações. É importante que se conheça o número de pessoas com autismo para que mais pesquisas sejam feitas e haja interesse maior da indústria – apontou.
Para Ana Paula Gulias, também integrante do Moab, o censo vai ajudar a revelar quantos autistas severos existem. Hoje, conforme observou, é predominantemente divulgado que uma minoria se enquadra no grau mais alto do espectro.
— Os autistas severos estão invisíveis, escondidos dentro de casa. Não sabemos se são minoria – observou.
Outras medidas defendidas pelos debatedores incluem a necessidade de fortalecer o diagnóstico precoce, o incentivo a pesquisas sobre o uso da cannabis medicinal; além do registro em carteira de identidade da condição de autista.
Confinamento
Apesar dos avanços no âmbito legislativo, garantir direitos a pessoas com autismo e outras deficiências ainda é um desafio. Simone Franco, jornalista, mãe de autista e diretora parlamentar do Moab, chamou a atenção para relatório divulgado em maio pela Human Rights Watch que revelou que milhares de crianças e adultos com deficiência no Brasil estão confinados em instituições de acolhimento, sem necessidade.
De acordo com o documento, feito com base em visitas a 19 instituições de acolhimento nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal, entre novembro de 2016 e março de 2018, esses abrigos não proviam mais do que as necessidades básicas de seus residentes, com poucas oportunidades de contato relevante com a comunidade ou de desenvolvimento pessoal. O uso de medicamentos sem prescrição terapêutica e condições degradantes foram outros problemas encontrados.
— Muitas dessas pessoas certamente são autistas severos privados de condição mínima de desenvolvimento. As pessoas não devem ser confinadas, não devem ser privadas do convívio social e familiar – defendeu Simone.
O coordenador-geral de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos, Josué da Silva, classificou como inaceitável essa situação revelada pelo relatório da Human Rights Watch.
— Isso é inaceitável, porque a gente está falando de gente – lamentou.
Preconceito e desconhecimento
Além da falta de apoio do Estado, muitos autistas também não recebem em casa estímulos e atenção. Josué da Silva observou que muitas das pessoas que estão nos abrigos foram abandonadas pelas famílias.
O preconceito e o desconhecimento sobre o autismo são outras dificuldades enfrentadas pelos autistas segundo a ativista Luciane Hatadani. Diagnosticada com autismo na infância, ela recebeu o apoio dos pais e hoje é doutora em Genética e Biologia Molecular. Durante a audiência, Luciane buscou demonstrar que muitos dos estigmas que acompanham os autistas não têm qualquer base científica.
— O maior mito de todos é de que autistas não podem defender seus próprios direitos. Na verdade, é isso que nós queremos fazer. Se você quiser aprender sobre autismo, pergunte para um autista – afirmou.
O estudante Igor Ceolin relatou dificuldades de inserção no mercado de trabalho.
— Dizem que eu não tenho experiência. Como vou ter experiência se não me dão emprego? Não gosto de ser tratado como coitadinho – disse.
Dia Mundial do Orgulho Autista
Criado em 2005 e comemorado anualmente em 18 de junho, o Dia Mundial do Orgulho Autista tem como objetivo mudar a visão dos meios de comunicação e da sociedade sobre o autismo, passando da condição de “doença” para “diferença”.
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