Avanço na legislação marca os 20 anos de combate à exploração sexual de crianças
A data foi escolhida em homenagem à menina Araceli Sánchez Crespo, assassinada aos oito anos, no dia 18 de maio de 1973, em Vitória (ES)
Uma lei promulgada em 2000 instituiu 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes - Getty Images/iStockphoto
Faz vinte anos que o 18 de maio passou a marcar o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, de acordo com a Lei 9.970, de 2000. A data foi escolhida em homenagem à menina Araceli Sánchez Crespo, assassinada aos oito anos, no dia 18 de maio de 1973, em Vitória (ES). As acusações de rapto, tortura, estupro e morte da criança foram atribuídas a jovens de classe média alta, que acabaram inocentados dos crimes.
O caso emblemático virou símbolo da luta contra crimes de pedofilia e exploração sexual de crianças e adolescentes. Nesses 20 anos, o Senado aprovou uma série de propostas para tornar mais rígida a punição dos abusadores de menores e para aperfeiçoar a atual legislação.
Em 2003 foi instalada a CPI Mista da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Formada por deputados e senadores, a comissão analisou por quase um ano mais de 800 denúncias.
Entre os projetos aprovados pelos parlamentares estão mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como a que permite o fechamento definitivo de hotéis, motéis ou similares que hospedem crianças e adolescentes sem os pais ou responsáveis. A intenção foi de evitar que esses estabelecimentos tolerassem programas sexuais com menores.
Além de propostas de alteração da legislação, a CPI pediu o indiciamento de mais de 250 pessoas, entre empresários, líderes religiosos e políticos.
CPI da Pedofilia
Em 2008 começavam os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou abusos praticados por pedófilos e divulgados impunemente pela internet. A CPI da Pedofilia também apurou a relação desses crimes com o crime organizado.
Ao longo de dois anos e nove meses de funcionamento, a CPI apresentou 14 projetos de lei: uma parte deles já incorporados à legislação e outros que seguem em tramitação no Congresso Nacional.
Logo no primeiro ano de trabalho, foi sancionada a Lei nº 11.829, de 2008, oriunda do projeto de lei do Senado (PLS) 250/2008, que prevê oito anos de reclusão mais multa pela posse de material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes. A pena é aumentada em um terço se o abusador tiver proximidade ou parentesco com a vítima.
Em 2009 houve outra mudança legislativa como resultado da CPI da Pedofilia: foi sancionada a Lei nº 12.015, de 2009, que trata dos crimes contra dignidade sexual. A norma, originada do PLS 253/2004, incluiu o abuso sexual de menores no rol dos crimes hediondos e estabeleceu pena de 8 a 15 anos de prisão para quem tiver conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos.
Outro projeto transformado em lei foi o PLS 126/2008, que alterou o Estatuto do Estrangeiro para estabelecer nova regra para a prisão preventiva em casos de extradição. A Lei nº 12.878, de 2013 é considerada um passo importante na repressão aos crimes transacionais, entre eles a pedofilia na internet.
A regulamentação das ações de policiais infiltrados na internet para investigar crimes contra a liberdade sexual de criança ou adolescente foi estabelecida pelo PLS 100/2010, que deu origem à Lei nº13. 441 de 2017. O projeto alterou o ECA e definiu normas, como autorização judicial fundamentada, para que agentes policiais possam se infiltrar, anonimamente, nas redes sociais e salas de bate-papo na internet, para obter informações e impedir a ação de pedófilos.
Três anos depois da aprovação da lei, o relator da matéria, senador Humberto Costa (PT-PE), destaca a importância dessa nova legislação para resultados positivos e efetivos no combate à pedofilia.
— Essa atividade que, antes de tudo, é profundamente condenada do ponto de vista moral pela sociedade, é também uma fonte de lucro importante para verdadeiras redes que se espalham pelo mundo para explorar esse tipo de atividade. E, sem dúvida, hoje onde mais se pratica esse tipo de ação é por intermédio das redes sociais, da internet. E nós não tínhamos um instrumento que permitisse o acesso de investigadores, de policiais à investigação sobre pessoas supostamente envolvidas nesse tipo de prática. De modo que, ter uma definição clara de como esses processos de infiltração policial poderiam se dar foi algo extremamente importante, que levou em consideração a preocupação de não promover qualquer tipo de desrespeito à privacidade de pessoas inocentes, mas criou, sim, um instrumento importante para que várias dessas redes pudessem ser desbaratadas e os seus responsáveis efetivamente julgados e punidos — avaliou Humberto.
Outro avanço da comissão foi a aprovação do projeto que determina a perda de valores ou bens utilizados na exploração sexual de crianças e adolescentes. O PLS 38/2008 também modifica o ECA, e o texto foi alterado na Câmara dos Deputados para deixar claro que o montante seja revertido em benefício do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente do estado onde ocorrer o crime (Lei nº 13.440, de 2017).
Lei Joanna Maranhão
Também entre as leis criadas a partir das propostas da CPI da Pedofilia, está a que estende de seis meses para dez anos o prazo após a maioridade para que uma pessoa molestada quando criança possa promover representação. Assim, se os pais ou o Ministério Público não tomarem providências por algum motivo quando a criança ou o adolescente sofreu abuso, após completar 18 anos, a vítima terá até seus 28 anos de idade para processar o agressor.
A ideia da norma, que passou a ser chamada Lei Joanna Maranhão, foi de contribuir para dar conforto ao agredido, bem como prevenir abusos em razão de o agressor acreditar na impunidade. A denominação da lei, que tramitou no Senado como PLS 234/2009, é uma homenagem à jovem nadadora Joana Maranhão, que denunciou seu treinador por abuso sexual sofrido quando era criança.
Na opinião de Joanna, presente à apresentação do relatório final da CPI da Pedofilia, a orientação sobre o problema da pedofilia deve fazer parte da educação de crianças e adolescentes. Ela ainda alertou que o problema não é comum apenas em famílias pobres, mas pode acontecer em qualquer classe social.
— Já que a gente não pode erradicar o problema porque ele é grande, vamos pelo menos diminuir bastante — disse a nadadora, ao destacar a "grandiosidade do trabalho feito pela CPI".
Maus-Tratos
Em 2018, foi a vez de outra Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI dos Maus-Tratos, ouvir detentos acusados de abusos sexuais contra menores presos durante a Operação Luz na Infância, de combate a pedofilia e compartilhamento de pornografia infantil, ocorrida simultaneamente em 24 estados e no Distrito Federal.
A CPI encerrou seus trabalhos naquele ano com a apresentação do relatório final propondo 33 projetos de lei, que tratam de temas como atendimento psicológico e educação emocional no currículo escolar; punições maiores para profissionais e pessoas em geral que lidem com menores e cometam abusos; e a presença de menores de idade em eventos culturais, como os bailes funk, com multa e fechamento de estabelecimentos, em caso de reincidência, que admitam a entrada ou a permanência de criança ou de adolescente em eventos com livre fornecimento de bebida alcoólica (PSL 486/2018).
Fake news
A CPI Mista das Fake News também se debruçou sobre o tema. Em 2019, o colegiado debateu medidas de combate ao abuso sexual infantil na internet. Em audiência pública foram abordadas as ameaças de exploração sexual e assédio moral na rede, tratadas por Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética, uma divisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O Laboratório alimenta a Operação Luz na Infância.
A Luz na Infância já prendeu em flagrante cerca de 600 pessoas. Não há um padrão de faixa etária ou ocupação entre os criminosos descobertos. O trabalho do laboratório, explicou Barreto, é identificar indivíduos que armazenam conteúdo predatório contra crianças e adolescentes e acionar os órgãos de segurança locais.
O delegado apontou falhas ainda existentes na legislação brasileira que atrapalham a proteção de jovens vítimas no ambiente virtual. Um exemplo é a dificuldade de ação em casos emergenciais. Ele sugeriu leis nos moldes norte-americanos, que obrigam os aplicativos a fornecerem dados de identificação dos computadores e geolocalização, sem necessidade de ordem judicial. Ele também defende penas mais duras.
— Quando nós estamos fazendo as operações, alguns países vêm participar das ações conosco. E o que nós notamos é que as penas aqui para abuso e exploração sexual infanto-juvenil no Brasil são pequenas. Na América do Sul e América Central, só a Argentina tem pena menor, alguns países têm 10 a 20 anos, outros têm 20 anos e, alguns, 30 anos. A minha visão é que isso aí também poderia ser um pouco aperfeiçoado — propôs.
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) foi além e apresentou uma proposta polêmica: a castração química para condenados reincidentes nos crimes de estupro. O PL 3.127/2019 estabelece ainda que, com a aceitação do condenado, será concedido o livramento condicional ou a extinção da punibilidade.
— A reincidência nesse crime mostra uma falha da legislação que precisa ser corrigida — justificou ele.
O senador também faz um alerta para o atual período de quarentena em razão da pandemia do coronavírus, quando muitas crianças e adolescentes ficam confinadas em casa e podem estar expostas aos abusadores, inclusive pela internet.
— Em um momento como este, de isolamento social, [é preciso] ficar atento aos filhos, os adolescentes na internet. O maior número desses abusos sexuais, a exploração, a exposição das partes íntimas dos menores de idade ocorre por essa rede. Vamos aproveitar esse dia [18 de maio], que é importante, para lembrar que esse tipo de crime acontece de forma silenciosa dentro das residências, nas escolas, em qualquer local que crianças e adolescentes possam transitar e habitar — ressaltou.
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