Bolsonaro e a crônica das mortes anunciadas
“Todos nós iremos morrer um dia", já dizia Bolsonaro. E das agruras de seu desgoverno, de sua política de morte, infelizmente não há quem possa escapa
Por Florestan Fernandes Jr., para o Jornalistas pela Democracia
Cada dia fico mais convencido de que Bolsonaro é um misantropo, uma pessoa que tem aversão ao ser humano. Afirmou, por exemplo, que a ditadura militar errou por não matar 30 mil pessoas, homenageou um torturador, fez da arma seu símbolo de campanha.
Em 2019, Bolsonaro ampliou para 16,5 bilhões de reais os investimentos nas Forças Armadas – maior valor real da série histórica iniciada em 2007, o que representou cerca de 29% de todo o investimento federal naquele ano. Facilitou a compra de armas no país, através do Projeto de Lei n° 3.715/19, que ampliou a posse de armas de fogo em propriedades rurais. No fim do ano passado, zerou o imposto de importação de revólveres e pistolas. Em contrapartida, o governo do Capitão vem, sistematicamente, reduzindo os gastos em educação e pesquisa. Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta estavam prestes a privatizar o SUS, quando surgiu a pandemia do CORONAVÍRUS. Escapamos por um triz de uma tragédia que seria ainda maior, se o desmonte da saúde pública tivesse sido levado a cabo.
Pesquisa realizada pela Faculdade de Saúde da USP e da Conecta Direitos Humanos, revelou na semana passada que Bolsonaro executou uma estratégia institucional de propagação do coronavírus, com o objetivo de não paralisar as atividades econômicas no país. Isso fica claro no discurso adotado por ele e seu Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, contra as medidas sanitárias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde para conter o avanço da pandemia. Colocaram em prática a chamada "imunidade de rebanho". Segundo essa teoria, ao se contaminar, as pessoas teriam a doença e em seguida desenvolveriam anticorpos naturalmente. Para promover sua estratégia própria, sem qualquer respaldo na ciência, Bolsonaro minimizou sistematicamente a gravidade da Covid-19. Segundo o ex-ministro Mandetta, Bolsonaro tentou empurrar goela abaixo dos brasileiros cloroquina e hidroxicloroquina - medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da Covid-19, como se panaceia fossem.
Nesse esforço de descrédito da doença, a verborragia não tem limites. Frases estapafúrdias são disparadas a toda hora e têm sido a tônica. Algumas ficaram célebres, como a do “histórico de atleta”, “país de maricas”, “se você virar jacaré, é problema seu” e, como cereja do bolo, a sentença que inspira o título deste texto: “Todos nós iremos morrer um dia."
Se engana quem pensa que essas declarações alopradas são fruto dos rompantes de um temperamento explosivo. Ao contrário, essas falas, muitas ditas nas lives semanais, ou no “cercadinho/púlpito” do Palácio da Alvorada, integram a estratégia de comunicação do Governo Bolsonaro. É através delas que o Presidente faz acenos, inflama e mantém ativa a sua base eleitoral. São elemento e instrumento fundamental do seu projeto de governo que, visando se sustentar, criou e estimula um antagonismo falacioso entre saúde e economia.
Mas a necropolítica sanitária do Governo extrapola a simples retórica. A sua atuação durante a pandemia revela o mote de morte do governo. Alguns fatos recentes: a tentativa de boicote das medidas restritivas dos estados e municípios para o combate à COVID; o descaso à farmacêutica Pfizer quando esta formalizou a proposta de venda de vacina; a adesão tardia ao consórcio mundial COVAX, optando pela reserva mínima oferecida (10% da população); a deliberada limitação na escolha dos fabricantes de vacina; a reiterada tentativa de descrédito das vacinas, em especial contra a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac; o fomento de uma celeuma inútil, criada por fake news sobre a obrigatoriedade da vacinação. E Bolsonaro continua: forçado a vacinar a população, o governo apresenta um arremedo de plano de vacinação; chegada a vacina em “doses homeopáticas”, tenta deslegitimar a estrutura do SUS no gerenciamento da saúde pública, boicotando estados, criando uma crise federativa. Ou seja, Bolsonaro pratica atos institucionais e não institucionais no sentido contrário ao da proteção da vida e saúde dos brasileiros.
Como se vê, as falas e os atos públicos, institucionais ou não, compõem um todo e revelam o descompromisso do governo Bolsonaro com os brasileiros, em clara violação ao direito à vida e à saúde do povo que governa. Agora, esse mesmo povo, que é tratado pelo governo como manada/gado sem valor, vê a ameaça crescer com nova cepa do coronavírus (cujo rastreio esbarrou na falta de verba e insumos) e sem vacinas suficientes para todos.
Enfim, é a vida. “Todos nós iremos morrer um dia", já dizia Bolsonaro. E das agruras de seu desgoverno, de sua política de morte, infelizmente não há quem possa escapar.
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