Bolsonaro foi abandonado
O desânimo das redes sociais bolsonaristas reflete a postura de líderes que começam a desistir de carregar o inelegível nas costas
Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Pânico)
São cada vez mais genéricas, vagas e retóricas as menções a Bolsonaro nas redes sociais, na base do meu mito, meu líder, meu capitão.
Pesquisas de institutos que rastreiam e avaliam os humores na web, como a Quaest, mostram que resistem, já sem forças, só gritos de guerra, como Bolsonaro orgulho do Brasil, fechado com Bolsonaro e somos todos Bolsonaro.
Sabe-se que a foto do estado de espírito de grupos nas redes sociais, num determinado momento, pode valer popr um dia, oferecer um retrato incompleto e induzir a erros. Mas não no caso do bolsonarismo.
A alma do bolsonarismo está nas redes e em todas as formas de propagação de torcidas, ódios e mentiras virtuais, incluindo grupos de tios do zap e similares. É ali que se medem seu vigor e suas fraquezas.
É impactante, como primeira informação pós-inelegibilidade nessa linha, a constatação da Quaest de que o bolsonarismo tem sido incapaz de reagir à condenação do ídolo e de propor o que eles mesmos chamam, cansativamente, de nova narrativa.
O bolsonarismo não consegue produzir uma invertida, no sentido de retomar as forças e propor uma nova conversa, assumindo o controle dos confrontos nas redes. Não há uma nova narrativa e as velhas envelheceram.
Há, como constatam os institutos de verificação das redes, uma tentativa de atacar o governo Lula e, acreditem, de retomar o alerta sobre a ameaça do comunismo.
O bolsonarista é uma criatura com forte base virtual, mais forte do que o lulista nas redes, e se protege na realidade imaginária dos amigos e das fake news.
É tão virtual que não interessou ao vasto mundo do bolsonarismo o suporte real de um partido, por exemplo.
Se interessasse, o partido de Bolsonaro não seria o PL emprestado, e a base social dele teria vínculos com uma organização institucional só da família, que seria o fracassado projeto do Aliança pelo Brasil.
O que se percebe, pelas reações depois da decisão do TSE, é que o bolsonarismo assume, em parcelas relevantes dessa base atrapalhada, as feições dos black blocs.
Os black blocs não queriam partido, não queriam organização, não tinham hierarquias e comandos e se dedicavam apenas a missões.
E que suas ações fossem eternas enquanto durassem. Pois parte do bolsonarismo, hoje sem perspectiva, só quer esculhambar com o governo Lula.
Sem base orgânica, amarrado entre si em redes virtuais, esse bolsonarismo é, no que tem de mais radical, uma rede gasosa de ativistas virtuais, com pautas virtuais e relações humanas virtuais. E a caminho de não ter mais um líder funcional.
A política praticada, por exemplo, por gente do centrão, por profissionais, é quase ausente desse mundo do bolsonarismo dos impulsos e da irracionalidade.
E esse bolsonarismo das gritarias das redes, que sustentou a alma do fenômeno enquanto a extrema direita esteve no poder, está fragilizado, sem forças para reagir, segundo os institutos de monitoram seus desatinos.
A Quaest observa que as menções diretas a Bolsonaro despencaram em quantidade absoluta desde a data em que ele foi condenado. E sobraram os gritos de guerra citados lá no começo.
Na campanha às eleições municipais, o bolsonarismo real, de rua, de ativismo, de corpo a corpo e de engajamento com bandeira nas costas, dependerá do bolsonarismo digital. E esse está cansado e desorientado.
Até o esforço das redes bolsonaristas para atacar o governo, como manifestação de sobrevida, esbarra na performance pessoal de Lula e na afirmação de Haddad.
Atacar o quê? O novo Minha Casa Minha Vida? O novo Mais Médicos? O programa de renegociação de dívidas do povo? As manifestações de confiança dos investidores internacionais? A melhoria no emprego, a queda da inflação e do dólar?
Atacar o desmonte das tais escolas cívico-militares? A adesão ao governo de parte da base de direita no Congresso até agora considerada inflexível, inclusive dentro do PL?
As redes sabem que lideranças da direita pragmática desistiram do sujeito. Não há mais fidelidade ao que restou de Bolsonaro.
Alquebrado, sobrou ao bolsonarismo a hashtag ‘somos sementes’. Os bolsonaristas acabaram com o sentido da palavra narrativa e podem acabar até com o batido sentido metafórico de semente.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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