Comparar Bolsonaro a Al Capone é um equívoco!
O então Presidente do Brasil usou o aparelho de Estado para violar o sistema, que deveria resguardar e defender, adulterando dados com finalidade ilícita
Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Pânico)
A medida de busca e apreensão efetuada pela Polícia Federal no último dia 03 de maio na casa de Jair Bolsonaro em Brasília, em investigação sobre adulteração no cartão de vacina dele próprio e da filha menor de idade, levantou muitos debates. A comparação com o gangster ítalo-americano Al Capone foi praticamente inevitável e virou voz comum entre vários atores políticos.
Comparar Bolsonaro a Al Capone não seria um problema em si mesmo, tendo em conta que ambos cometeram inúmeros crimes graves de diversas naturezas. A questão é que o paralelo diante dos fatos presentes induz, automaticamente, a uma equivalência dos crimes pelos quais ambos são “pegos”, considerados de menor gravidade.
É justo nesse ponto que me atrevo a discordar.
A sonegação fiscal, no Brasil como nos Estados Unidos, é um crime de natureza tributária, o uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de impostos ou taxas. Com provas cabais, era natural que fosse o meio dito artificial para enquadrar aquele que era considerado inimigo público número um do Estado norte americano, como Capone, conquanto fosse, a despeito disso, um cidadão comum em relação ao exercício de poder formal.
A adulteração de um documento no exercício da Presidencial da República significa o uso da autoridade do mais alto cargo público do país para ordenar falsificação de registros públicos. A alteração se dando, também, sobre documentos de uma menor de idade agrava a conduta e impõe mais um enquadramento.
No campo sociológico é preciso lembrar que a falsificação ideológica e a corrupção de menores – para citar os tipos penais de que se tem evidência até aqui – ocorreram no contexto pós-pandemia em escala mundial em que morreram mais de 700 mil brasileiros e brasileiras, sendo milhares dessas mortes evitáveis não fosse a postura negacionista, debochada, totalmente negligente e irresponsável do chefe do Poder Executivo, que agiu a favor da disseminação do vírus e retardou a compra das vacinas.
Entrar no sistema do SUS para incluir dados falsos como se tivesse se vacinado, para enganar autoridades sanitárias dos Estados Unidos, foi o deboche derradeiro de Bolsonaro contra a memória e a família das vítimas da Covid-19. É um escárnio depois de tanto “orgulho” que demonstrou em recusar a vacina e sugerir coisas desconexas como aquela segundo a qual o imunizante facilitaria a contaminação por HIV e outras imbecilidades congêneres.
A conduta de Bolsonaro ao usar a estrutura da Presidência da República para mandar adulterar sua carteira de vacinação e de sua filha menor não pode se equiparar a sonegação de impostos. E os inúmeros crimes cometidos por Bolsonaro – eleitorais, comuns, de responsabilidade – não precisam de uma “ponta solta”, fazem parte de investigações, inquéritos ou ações em andamento em vários tribunais.
Importante pontuar que as provas que autorizaram o mandado de busca e apreensão na casa do ex-presidente apareceram a partir da quebra de sigilo telefônico e telemático de Mauro Cesar Barbosa Cid, o “Coronel Cid”, o “faz tudo”, “homem de confiança”, “braço direito” de Bolsonaro, investigado nos Inquéritos 4.781/DF, das fake news e 4.874/DF, das milícias digitais. Portanto, não me parece uma ponta do fio a ser puxado, mas que o ministro Alexandre de Moraes determinou as diligências diante da evidência da formação de culpa na investigação criminal, com elementos que permitiram configurar sua convicção da autoria e materialidade de uma fraude gravíssima.
São crimes de magnitude muito distinta. E são pessoas igualmente díspares. Um gangster burlava o sistema corrompendo os agentes do Estado para se safar. O crime tributário foi a forma do enquadramento do qual ele não conseguiu se livrar diante das provas. O então Presidente do Brasil usou o aparelho de Estado para violar o sistema, que deveria resguardar e defender, adulterando dados com finalidade ilícita.
O que há em comum, de fato, entre os crimes é que ambos preveem pena de detenção. Quanto a isso aguardamos desdobramento. Ansiosamente.
Tânia Oliveira
Secretária-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral da Presidência
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