CPI da Covid e a revelação onde o mal se cria
A intenção aqui não é comparar o número de mortos, nem as ideologias políticas entre o nazismo e o atual brasileiro, mas frisar que o fenômeno da banalização do mal atua sem escrúpulos neste momento de pandemia
Assistir os relatos dos depoentes da CPI da Covid é presenciar o que há muito tempo Hannah Arendt denominou de "Banalização do Mal" - é sentir, talvez, o que ela mesmo sentiu quando viu o depoimento de Adolf Eichmann em Jerusalém, como bem disse a autora, não querendo conhecer a razão do nacional-socialismo, mas compreender como um indivíduo normal, banal, pode corroborar com o ocorrido nos campos de concentração. A intenção aqui não é comparar o número de mortos, nem as ideologias políticas entre o nazismo e o atual brasileiro, mas frisar que o fenômeno da banalização do mal atua sem escrúpulos neste momento de pandemia.
Este é, sem dúvidas, um dos sentimentos que ficam ao acompanhar a CPI da Covid: como é possível alguém ser capaz de corroborar e intermediar possíveis tentativas de corrupção sabendo que o povo brasileiro, se não morre pelo coronavírus, acaba morrendo pela fome? Como é possível contabilizar que uma possível propina é de mais valia do que a conta de sepulturas já cavadas no país? Como é possível corroborar com alguém que já declarou que prefere o saco preto à vacina?
Aqui não se deve e nem se quer excluir a responsabilidade dos envolvidos, mas compreender que, em suas perspectivas, os depoentes deliram ou mentem acreditando que estão cumprindo seus trabalhos, assim como o nazismo o fez. E esta é uma enorme problemática do mal: ele não se cria com o diabo - ele se cria no intermédio, no vão, no hiato, no vácuo que está posto quando ninguém toma uma atitude, assume uma responsabilidade ou posiciona-se em prol da consciência e da ética. São nas frases "isso não cabe a mim"; "eu não sou responsável por isso"; ou então: "eu estava cumprindo ordens", assim como Adolf Eichmann defendeu-se em seu julgamento. É neste limbo que ninguém alcança que o mal vai à farra e procria-se.
Já o diabo torna-se somente um receptáculo expiatório das igrejas para desviar a atenção do verdadeiro mal que está no meio de nós: o vão entre cada cidadão brasileiro.
*Leonardo Torres, 31 anos, psicoterapeuta junguiano e autor do livro Contágio Psíquico
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