Delação de Mauro Cid ressuscita o gabinete do ódio

Se o ex-ajudante de Bolsonaro esclarecer como funcionavam as milícias digitais, estará aberta a porteira que pode ajudar a levar aos chefes dos atos golpistas

Moisés Mendes
Publicada em 11 de setembro de 2023 às 16:29

Mauro CidMauro Cid (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

A articulação do golpe parece ter perdido prioridade na delação do coronel Mauro Cid, pelas informações que temos até agora da pauta acertada com a Polícia Federal e aceita pelo ministro Alexandre de Moraes.

Cid se compromete a contar como estavam estruturados e agiam os grupos envolvidos com milícias digitais, as muambas das joias e as fraudes nas carteiras de vacinação.

Essa seria a novidade: as ações específicas das milícias surpreendem e substituem os movimentos mais recentes pelo golpe antes e depois da eleição? Será isso mesmo?

O acordo formal se dá dentro do inquérito 4.874 do gabinete do ódio, das milícias de fake News e dos atos antidemocráticos, aberto em 2019, porque esse inquérito engloba um conjunto de sindicâncias de quase todos os crimes do fascismo e tem até Bolsonaro entre os investigados.

Quase tudo que é rolo político dessa gente está dentro desse inquérito. De imediato, pode ficar frustrado quem esperava saber logo do funcionamento e dos protagonistas do golpe.

Mas podem ganhar os que já vinham acumulando frustrações há muito tempo com a sensação de que as investigações em torno das milícias não iriam evoluir.

O inquérito que abriga tudo o que configura as ações do gabinete do ódio, e está sob os cuidados do ministro Alexandre de Morais, é de abril de 2019.

Em fevereiro de 2022, a delegada Denisse Ribeiro, da Polícia Federal, enviou ao ministro o relatório preliminar sobre a ação do gabinete em que aparece pela primeira vez, em documento oficial, a definição da organização criminosa como milícias digitais.

Também é nesse documento que a PF admite a existência das milícias como grupos organizados, com o detalhe de que funcionavam dentro do Palácio do Planalto.

E nada mais se soube da evolução das investigações nessa área, que abrange a indústria da produção de fake news, difamação e ódio desde a chegada da extrema direita ao poder.

Nunca mais surgiram informações conclusivas que apontassem para as suspeitas de que os filhos de Bolsonaro, em especial Carluxo, participavam do gabinete. E nada mais se soube sobre os grandes patrocinadores dos grupos. O que Mauro Cid sabe dessa estrutura?

A inclusão das milícias como questão a ser detalhada pelo delator vira notícia no momento em que um personagem, que não sai de cena e está na boca do palco, tem exposição quase diária na imprensa, o advogado de Bolsonaro e ex-ministro da Secom Fabio Wajngarten.

Wajngarten é um dos investigados da origem desse megainquérito 4.874. O advogado também está na lista dos 79 nomes da CPI da Covid encaminhada ao Ministério Público, em outubro de 2021.

A CPI pediu seu indiciamento por prevaricação e advocacia administrativa, ao apontá-lo como envolvido nas negociações para compra de vacinas na pandemia. Ninguém foi indiciado até hoje. Nada. Zero.

Wajngarten é advogado de Bolsonaro e fez duas declarações importantes nos últimos dias, possivelmente ao saber que a delação do coronel iria abranger as milícias.

Disse primeiro que Cid não teria o que delatar. E neste sábado reproduziu nas redes sociais uma suposição do jornalista Ricardo Noblat, segundo a qual Mauro Cid em liberdade corre risco de vida.

Wajngarten pede, em tom de apelo urgente, que as autoridades investiguem a insinuação de Noblat. Por que essa preocupação com Cid, se o próprio Wajngarten entende que ele não tem o que delatar? Por que ajudar a espalhar que o coronel pode ser morto?

Mauro Cid não é um miliciano nem um matador de aluguel, como era Adriano da Nóbrega, executado em 2020 na Bahia como queima de arquivo. É coronel da ativa do Exército e foi escolhido em 2018 pelos generais para a chefia da ajudância de ordens do agora investigado como chefe dos muambeiros.

Cid informou duas vezes, em duas CPIs sobre o golpe, em julho no Congresso e em agosto na Câmara Legislativa do Distrito Federal, que os generais o chamaram em para ser ajudante da presidência. O que quis dizer foi que os comandantes o empurraram para os braços de Bolsonaro.

O coronel deixou claro, lendo o mesmo texto que levou às duas CPIs, que os generais o escalaram para a função e que a escolha era exclusiva dos chefes militares, e não de Bolsonaro.

Nas duas CPIs, repetiu o mesmo texto com o mesmo recado aos militares. Ele era oficial da ativa do Exército dentro do governo, onde atuava fardado. Compartilhava responsabilidades e pedia a proteção das Forças Armadas.

O que os militares devem estar pensando agora da decisão de Fábio Wajngarten de passar adiante o alerta sobre o risco de Mauro Cid ser assassinado, bem na hora em que as milícias digitais voltam às manchetes e podem levar também aos chefes golpistas do 8 de janeiro?

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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