Desrespeito ao "Não é Não" é crime, com ou sem o protocolo em vigor!

Porém, não vivemos em uma “terra de ninguém” e a extravagância do carnaval não pode extrapolar os limites do “outro”

Leonardo Watermann
Publicada em 07 de fevereiro de 2024 às 17:43
Desrespeito ao

Desrespeito ao “Não é Não” é crime, com ou sem o protocolo em vigor! Divulgação/Leonardo Watermann

Quando chega o carnaval, historicamente vêm junto com ele os “excessos autorizados” que precedem a Quaresma, numa forma de subversão temporária dos papéis sociais em que “certas transgressões são permitidas sem julgamentos”.

Então, homens se vestem de mulher, pessoas desfilam seminuas, embriagadas, e não há preocupação com o pudor naquele momento específico – pois na festa de carnaval, há uma liberdade poética que torna cada um independente e imune ao julgamento do que o outro considera certo ou errado.

Enfim, é tempo de erguer as mãos e cantar Ah la la oh! pelas ruas das cidades brasileiras, onde o calor do verão está no auge e as pessoas esbanjam alegria.

Isso tudo é muito genuíno, afinal, é a festa brasileira mais popular e aguardada do ano.

Porém, não vivemos em uma “terra de ninguém” e a extravagância do carnaval não pode extrapolar os limites do “outro”, ou seja, o bom senso não deve ser confundido com um momento para fazer o que der na cabeça, sem respeitar a vontade do próximo.

"Oras, mas é carnaval”, alguém pode dizer. "É a festa originária dos bacanais dionisíacos gregos, dedicados ao deus do vinho, Baco. É a festa marcada pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne!”

Até aí, tudo bem, cada um faz o que quer, desde que todos os envolvidos estejam de acordo, pois nem no carnaval e nem em qualquer outro momento em que estejamos tomados de forte emoção, temos a permissão, quiçá o direito, de desrespeitar outra pessoa.   

Nesse sentido, vale mencionar que um corpo com pele à mostra não é nem nunca foi um convite aberto à perversão. Cada um tem direito de estar como bem quer no carnaval e os terceiros devem respeitar

E justamente por isso que no carnaval de 2017, mulheres cansadas da importunação exagerada e do assédio desmedido de alguns homens mais atrevidos iniciaram um movimento no Rio de Janeiro chamado “Não é Não”, colando em seus corpos adesivos com essa frase, como forma de alerta aos mais abusados que insistissem em ultrapassar os limites aceitáveis nas relações.

Seis anos depois, o governo federal promulgou a Lei nº 14.786 de 2023, que estipula o protocolo “Não é Não – Mulheres Seguras”, objetivando proteger e atender com respeito mulheres vítimas de violência sexual e/ou assédio em casas noturnas, bares, restaurantes e outros espaços com aglomeração de pessoas e consumo de bebidas alcoólicas.

Na prática, a ideia é que estes lugares sigam um protocolo específico e mantenham pessoas treinadas para agir de forma correta e coerente em caso de denúncia de violência ou assédio contra uma mulher, preservando e isolando a vítima, garantindo provas e intensificando o possível autor do crime. Tudo de forma discreta, para não expor nenhuma das partes até que as autoridades tomem para si a responsabilidade pelo evento.

Exatamente como acontece na Espanha, de onde veio a inspiração para o protocolo, por lá chamado “No Callem”. Ele foi criado justamente para coibir as insistentes importunações e assédios, ficando ainda mais conhecido após o “caso Daniel Alves”, ocorrido em uma boate em Barcelona, e que começou a ser julgado neste início de fevereiro.

Mas é importante deixar claro que, apesar da lei ainda estar em período de vacância (adaptação por 180 dias), e de diversos estabelecimentos e locais ainda não terem se preparado para respeitar o protocolo, este carnaval não pode ser encarado como a “última forra” de 2024, como a derradeira “festa da bagunça” sem regras.

O protocolo é apenas uma medida administrativa que irá obrigar os estabelecimentos a seguirem determinadas regras. Mas, muito além disso, os crimes estão aí, e se forem praticados, existindo ou não o protocolo, seus autores deverão ser presos e punidos.

Então, atenção: mulheres importunadas devem procurar os seguranças, os administradores, a polícia militar, e exigir seus direitos. O carnaval é momento de diversão, mas os direitos individuais são intransponíveis e devem ser respeitados.

“Não é Não”. Simples como a própria frase.

*Leonardo Watermann é advogado e sócio fundador do escritório Watermann Sociedade de Advogados.

Sobre o WA Advogados – Focado em advocacia empresarial, o escritório Watermann Sociedade de Advogados, possui profissionais com décadas de experiências e dedicação exclusiva ao direito e processo penal, o que possibilita o desenvolvimento de soluções dinâmicas e eficientes aos problemas criminais enfrentados pelos clientes. O atendimento do WA Advogados se inicia já de forma preventiva, buscando evitar que demandas criminais sejam iniciadas. Além disso, presta também serviços consultivos e contenciosos para pessoas e empresas na qualidade de vítimas ou de acusadas. A sede está localizada na Av. Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo/SP.

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