Direito à sustentação oral riscado pelo Planalto no texto do Estatuto da OAB
É urgente que o Planalto faça a correção do texto publicado em seu site, pois o seu conteúdo, por se tratar do texto oficial, é utilizado como a principal fonte de pesquisa por estudantes, advogados, membros do Judiciário e do Ministério Público
Uma estranha mudança no texto oficial do Estatuto da OAB disponível no site oficial do Planalto chama a atenção da advocacia. Não estaria mais em vigor o direito à sustentação oral previsto no inciso IX do artigo 7º?
A questão chamou nossa atenção, que estamos trabalhando na terceira edição do livro "Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr, 1ª Ed./2016 e 2ª Ed./2021).
Por ocasião da primeira e segunda edições, o texto oficial que se encontrava disponível no site do Planalto contava com o artigo 7º, inciso IX, anotado com risco parcial apenas na expressão "após o voto do relator", da seguinte maneira:
"IX — sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido.
Sucede que o texto atualmente disponível encontra-se completamente riscado, da seguinte forma:
"IX — sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido. (Vide ADI 1.127-8) (Vide ADI 1.105-7)"
Na forma como está disponível o texto, causa nas pessoas que se utilizam do site oficial do Planalto a falsa impressão de que o referido dispositivo legal foi totalmente suprimido do Estatuto da OAB, por inconstitucionalidade. Não é o que ocorre, na verdade.
Tanto a ADI 1.127-8 quanto a ADI 1.105-7 declararam a inconstitucionalidade apenas da inversão da sustentação oral para após o voto do relator.
Em relação à ADI 1.105-7 o resultado da certidão de julgamento realmente causa confusão, pois dela consta: "O Tribunal declarou a inconstitucionalidade do inciso IX do art. 7º da Lei nº 8.906/94". No entanto, uma análise do inteiro teor do Acórdão revela que foi debatida apenas a inversão da ordem da sustentação oral, qual seja, a expressão "após o voto do relator", e em momento algum o STF negou ou debateu o próprio direito à sustentação oral em si.
A própria Ementa já delimita o debate, vejamos:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 7º, IX, DA LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. SUSTENTAÇÃO ORAL PELO ADVOGADO APÓS O VOTO DO RELATOR. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. I - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. II - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, IX, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994."
(STF, ADI 1105, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julg. 17/05/2006, publ. DJe-100 04-06-2010). (grifos nossos)
Para demonstrar que somente essa questão da expressão "após o voto do relator" foi debatida e decidida, sem qualquer prejuízo ao comando principal do art. 7º, inciso IX, que é o próprio direito à sustentação oral, transcrevemos o seguinte trecho do voto condutor do Acórdão, proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski:
"Em primeiro lugar, estou convencido, também, que o contraditório se estabelece entre as partes. Caso se estabeleça com o relator, isso poderá causar uma inversão tumultuária do procedimento.
Em segundo lugar, vejo nesse dispositivo, tal como está redigido, uma certa contradição até de ordem lógica, porque sustentar oralmente as razões de qualquer recurso pressupõe que essa sustentação se faça antes da oferta da prestação jurisdicional. Não me parece que haja sentido fazer-se uma sustentação após ofertada a prestação jurisdicional.
Mantenho a liminar para considerar inconstitucional a expressão 'após o voto do relator'". (grifos nossos)
O mesmo acontece com a ADI 1.127-8, também inequívoca em limitar a declaração de inconstitucionalidade apenas à expressão "após o voto do relator":
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO "JUIZADOS ESPECIAIS", EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. II - A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. III - A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. IV - A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. V - A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. VI - A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. VII - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. VIII - A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. IX - O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. X - O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. XI - A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. XII - A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo. XIII - Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente." (STF, ADI 1127, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julg. 17/05/2006, publ. DJe-105 11-06-2010).
Não é inoportuno, também, citar que a fundamentação trazida pelo Relator para o Acórdão, Ministro Ricardo Lewandowski, tem exatamente a mesma redação da fundamentação utilizada na ADI 1105-7, dispensando nova transcrição.
Desta feita, o inciso IX do artigo 7º do Estatuto da OAB continua em vigor, tendo sido declarada a inconstitucionalidade, em ambas as Ações Diretas, apenas da expressão "após o voto do relator".
Podemos concluir que o direito à sustentação oral não foi atingido pelas referidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, e continua em pleno vigor o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/1994, com a seguinte redação:
"IX — sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido."
É urgente que o Planalto faça a correção do texto publicado em seu site, pois o seu conteúdo, por se tratar do texto oficial, é utilizado como a principal fonte de pesquisa por estudantes, advogados, membros do Judiciário e do Ministério Público, bancas de concursos públicos, cursos preparatórios e doutrinadores, dentre outros operadores do Direito em geral.
Em relação à ADI 1.105-7 o resultado da certidão de julgamento realmente causa confusão, pois dela consta: "O Tribunal declarou a inconstitucionalidade do inciso IX do art. 7º da Lei nº 8.906/94". No entanto, uma análise do inteiro teor do Acórdão revela que foi debatida apenas a inversão da ordem da sustentação oral, qual seja, a expressão "após o voto do relator", e em momento algum o STF negou ou debateu o próprio direito à sustentação oral em si.
A própria Ementa já delimita o debate, vejamos:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 7º, IX, DA LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. SUSTENTAÇÃO ORAL PELO ADVOGADO APÓS O VOTO DO RELATOR. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. I - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. II - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, IX, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994."
(STF, ADI 1105, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julg. 17/05/2006, publ. DJe-100 04-06-2010). (grifos nossos)
Para demonstrar que somente essa questão da expressão "após o voto do relator" foi debatida e decidida, sem qualquer prejuízo ao comando principal do art. 7º, inciso IX, que é o próprio direito à sustentação oral, transcrevemos o seguinte trecho do voto condutor do Acórdão, proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski:
"Em primeiro lugar, estou convencido, também, que o contraditório se estabelece entre as partes. Caso se estabeleça com o relator, isso poderá causar uma inversão tumultuária do procedimento.
Em segundo lugar, vejo nesse dispositivo, tal como está redigido, uma certa contradição até de ordem lógica, porque sustentar oralmente as razões de qualquer recurso pressupõe que essa sustentação se faça antes da oferta da prestação jurisdicional. Não me parece que haja sentido fazer-se uma sustentação após ofertada a prestação jurisdicional.
Mantenho a liminar para considerar inconstitucional a expressão 'após o voto do relator'". (grifos nossos)
O mesmo acontece com a ADI 1.127-8, também inequívoca em limitar a declaração de inconstitucionalidade apenas à expressão "após o voto do relator":
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO "JUIZADOS ESPECIAIS", EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. II - A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. III - A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. IV - A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. V - A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. VI - A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. VII - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. VIII - A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. IX - O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. X - O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. XI - A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. XII - A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo. XIII - Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente." (STF, ADI 1127, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julg. 17/05/2006, publ. DJe-105 11-06-2010).
Não é inoportuno, também, citar que a fundamentação trazida pelo Relator para o Acórdão, Ministro Ricardo Lewandowski, tem exatamente a mesma redação da fundamentação utilizada na ADI 1105-7, dispensando nova transcrição.
Desta feita, o inciso IX do artigo 7º do Estatuto da OAB continua em vigor, tendo sido declarada a inconstitucionalidade, em ambas as Ações Diretas, apenas da expressão "após o voto do relator".
Podemos concluir que o direito à sustentação oral não foi atingido pelas referidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, e continua em pleno vigor o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/1994, com a seguinte redação:
"IX — sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido."
É urgente que o Planalto faça a correção do texto publicado em seu site, pois o seu conteúdo, por se tratar do texto oficial, é utilizado como a principal fonte de pesquisa por estudantes, advogados, membros do Judiciário e do Ministério Público, bancas de concursos públicos, cursos preparatórios e doutrinadores, dentre outros operadores do Direito em geral.
Artigo publicado originalmente no site Consultor Jurídico (Conjur)
Zênia Cernov é advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros "Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr, 1ª Ed./2016 e 2ªEd./2021), "Honorários Advocatícios" (LTr/2019), "Greve de Servidores Públicos" (LTr/2011) e "Marketing Jurídico e a nova publicidade na Advocacia: Comentários ao Provimento n° 205/2021" (Temática/2021). Membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes. Coordenadora da Revista da Advocacia de Rondônia.
Hélio Vieira da Costa é advogado. Autor dos livros "Estatuto da OAB, regulamento geral e código de ética interpretados" (LTr, 1. ed./2016 e 2. ed./2021), "Honorários advocatícios" (LTr, 2019) e "A Trajetória da Advocacia no Estado de Rondônia" (2015). Presidiu a OAB — Seccional Rondônia nos triênios 2007/2009 e 2010/2012.
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