Em Porto Alegre, a vitória soturna da mentira e do medo
"Amanhã será outro dia e nós, os utópicos da igualdade, os que jamais estendemos as mãos para o fascismo ou negociamos com racistas e milicianos, vamos continuar. E reviver", escreve o ex-governador Tarso Genro sobre as eleições municipais em Porto Alegre
(Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
No sábado que precedeu o domingo eleitoral uma falsa pesquisa da Datafolha anunciava a vitória do candidato que fora encurralado e devastado, na noite anterior, por uma Manuela serena e segura das suas convicções, depois do maior tufão de mentiras, calúnias, impropriedades e ataques morais, jamais despejados – certamente por bases organizadas de criminosos, dentro e fora do país – contra qualquer candidato à Prefeitura de Porto Alegre, em toda a sua história.
Esta eleição em Porto Alegre esgota a legitimidade das eleições democráticas na cidade e abre – caso Melo se associe a um destino bolsonarista que parece estar em andamento – um ciclo de perversões sem fim, em direção a uma ruptura sem volta, entre as forças políticas da cidade.
Em eleições sempre ocorrem “sujeiras” -voluntárias ou não- originárias frequentemente de ambos os lados, mas estas, quando são emitidas em escala industrial como plano de “limpeza” e chacina moral de adversários, tornados inimigos, só são possíveis quando a técnica clandestina se torna – em escala global – pensamento fascista organizado pela extrema direita, que já escolheu se tornar diretamente comunidade criminosa. Esta é a lógica concreta dos Campos de Concentração que as tropas soviéticas e americanas mostraram ao mundo no fim da 2a. Guerra: a engenharia, a técnica, a química moderna tornada -lembrando um conto de Onetti- fazem o “inferno tão temido, que retorna sempre ao presente quando a noite das crises vem parir seus monstros, antes do alvorecer.
No dia das eleições, caminhões estridentes percorreram os bairros da cidade e relataram que a vitória de Manuela e Rosseto seria o espectro do comunismo rondando Porto Alegre e mais, tentavam fazer esquecer a pobreza argumentativa e a confusão mental do seu candidato, no debate da noite anterior, com informações surpreendentes. Dos amplificadores dos caminhões saiam, com fagulhas de ódio construído, que o destino da cidade seria – Manuela vitoriosa – comer “carne de cachorro” e ver os templos da cidade “fechados”. Depois que a necropolítica foi naturalizada com o elogio da morte e os símbolos da “arminha”, as pessoas aceitam tudo isso – num processo eleitoral – com a naturalidade pasteurizada daquela parte majoritária da mídia golpista, que ajudou a derrubar Dilma, forjando o “fake-crime” orçamentário.
No ocaso deste ciclo da democracia liberal, a “mamadeira de piroca” e a obrigatoriedade da “carne de cachorro” não geram convicções, mas afastam a dúvida de quem já foi capturado pela insanidade: em cada episódio das disputas sobre o futuro deve ser localizado no “outro”, no diferente, no marginal, no pobre, no adverso político, os fatores da minha infelicidade e a angústia de viver num mundo injusto. Com esta ideia na cabeça, a soma de pequenas noites de cristais e de pequenas Marcha sobre Roma, vão construindo -pelo medo- os que devem ser abatidos de qualquer forma. A tensão social se torna o caldo da mentira e esta se torna o elixir que sufoca a dúvida razoável.
Os resultados eleitorais demonstraram que a estratégia funcionou, pois os votos brancos e nulos – somados às abstenções – foram superiores à votação de qualquer dos candidatos, isoladamente, ou seja: a “não-eleição” – pela indiferença – foi superior à eleição pela escolha. Na cidade que acolhe os resultados sem alegria e sem utopia ficamos pasmados pela desmaio da energia que a cidade começava a ensaiar, com a vitória de Manuela e Rosseto. Esta colocaria Porto Alegre de novo no mundo da solidariedade democrática, como contraponto à crise, que passa a gerar – não somente o retorno à fome à miséria- mas também às eleições soturnas do nada
Nesta vitória soturna e distópica automóveis passaram por alguns pontos da cidade dizendo da derrota do “comunismo”, mas não saudaram a vitória de nada, precisamente porque foi o “nada” que ganhou a eleição. E este, não promove festas nem alegria. Ele não diz respeito ao candidato vitorioso, como ser humano, mas ao não-projeto que ele representou para vencer o pleito: impedir os cidadãos de comerem carne de cachorro e permitir que os templos -que nunca seriam fechados – permaneçam abertos para sempre.
A tristeza se abateu, ao que parece, sobre a maior parte da cidade e a vitória soturna do medo começou a cobrar seu preço, pois pandemia, miséria moral e manipulação, só promovem vitórias numéricas e de curta permanência no espírito. Amanhã será outro dia e nós, os utópicos da igualdade, os que jamais estendemos as mãos para o fascismo ou negociamos com racistas e milicianos, vamos continuar. E reviver.
Esta é a síntese de uma vitória ilegítima que começou seus alicerces lá na negação da política, com a glamourização dos movimentos de junho, para demonizar a esquerda e que agora aposta no “centrão”, para trazer Bolsonaro à sanidade. O fenômeno depois ocorreu por dentro da “teoria dos dois extremos”, para eleger Bolsonaro contra Haddad e agora abre espaços para que o “mormaço” do velho MDB, seja substituído pela violência e pela insegurança que se espalha na cidade do diálogo e da tolerância.
Aguardemos que a mídia de sempre comece a exigir a instalação de um próximo Banco de Talentos, para semear quadros “técnicos” na Prefeitura da cidade, para substituir a inépcia dos políticos. Poderá ser uma equipe melhor do que aquela composta pelos que bolaram a estratégia da carne de cachorro? Bem…este é, na verdade, um problema de quem ganhou a eleição!
Tarso Genro é um advogado, jornalista, professor universitário, ensaísta, poeta e político brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores.
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Comentários
Chora esquerdopatas!!!!!!!!!
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