O que é racismo estrutural no Brasil?

Sociólogo Emir Sader diz que o racismo uma prática constitutiva do Brasil como país. "Vem de sua história, de sua configuração social, do enraizamento em sua prática cotidiana. O combate à desigualdade no Brasil é, antes de tudo, assim, o combate ao racismo", avalia

Emir Sader
Publicada em 05 de dezembro de 2020 às 15:00
O que é racismo estrutural no Brasil?

(Foto: Tania Rego/Agência Brasil)

Parece haver consenso de que existe um racismo estrutural no Brasil. O país é o modelo do país escravista no mundo. Por pelo menos três séculos, os trabalhadores brasileiros foram milhões de negros trazidos da África para serem escravos. Assim, ao mesmo tempo, tanto o negro quanto o trabalho, considerado uma atividade menor, exercida pelos negros como escravos, foram degradados.

No Senegal existe uma ilha, a ilha da Goreia, onde se concentravam os negros, classificados entre homens, mulheres, crianças, doentes, como se fosse um açougue, antes de passarem por uma porta - a porta do adeus -, quando tinham a última visão do seu país. Antes de entrarem nas porões dos navios negreiros, para uma longa viagem ao Brasil, na qual morreria grande parte.

Eles trabalhavam em média nove anos, era mais fácil e barato trazer mais escravos do que cuidar dos doentes. Eles foram trazidos por mercadores europeus, para trabalhar como uma raça inferior, como escravos, para produzir riqueza para os europeus.

O Brasil foi o último país da América a acabar com a escravidão. Em outros países do continente, quando foi proclamada a independência, foi introduzida a república, onde, legalmente, todos são iguais diante da lei e, portanto, a escravidão terminou.

O Brasil passou da colônia monarquia e não a república. O monarca português colocou a coroa na cabeça do filho, dizendo: "Meu filho, põe a coroa na tua cabeça, antes que qualquer aventureiro o faça". Aventureiro foi Tiradentes. Aventureiros foram San Martin, Bolívar, Sucre, O’Higgons e outros heróis da independência em outros países latino-americanos.

Em meados do século 19 foi criada uma Lei de Terras, que legalizava todas as terras do país, em grande medida pela grilagem. Assim, quando, no final do século 19, a escravidão acabou oficialmente no Brasil, os escravos tornaram-se homens livres, mas sem terras. Livres, mas pobres.

A questão colonial está assim ligada, no Brasil, à questão racial e à questão social. Isso dá a particularidade da história brasileira entre os países do continente. Isso produz o racismo como fenômeno estrutural no Brasil. Por pelo menos três séculos, os negros foram oficialmente uma raça inferior, sem liberdade, que trabalhava para os outros, para os brancos.

O fim oficial da escravidão não acabou com o racismo. Ao contrário, saiu a escravidão, mas deixou o racismo, a discriminação, a segregação e a exclusão social. Os negros são a maioria da população brasileira - cerca de 54% -, são, em sua maioria, pobres. Hoje 2 de cada 3 dos 14 milhões de desempregados são negros.

Um juiz considerou recentemente que os crimes raciais não deveriam ser caracterizados como racismo. Ou seja, as expressões cotidianas que desqualificam os negros, das quais a internet apresenta exemplos abertos de homens ou mulheres brancos ofendendo negros, não deveriam ser classificados como racismo, um crime inafiançável pela constituição brasileira.

Quando não é só no tratamento dado aos negros, mas também na forma como são chamados, como são ofendidos, desqualificados, que o racismo estrutural e cotidiano se expressa no Brasil. São inúmeras as palavras, expressões e formas de tratá-los de forma depreciativa, que reforçam, o racismo estrutalmente enraizado na sociedade brasileira.

É algo constitutivo do Brasil como país, vem de sua história, de sua configuração social, do enraizamento em sua prática cotidiana. O combate à desigualdade no Brasil é, antes de tudo, assim, o combate ao racismo.

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

 

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