Equilíbrio Distante
Pontuo que a mulher não reivindica a destituição e tampouco propõe uma feroz disputa de poder com os homens ou a promoção de conflitos de gênero
O dia 8 de março remete à celebração das conquistas e vitórias obtidas por mulheres aguerridas que, ao longo das últimas décadas, protagonizaram uma imensurável inserção social para a consolidação da própria autonomia, independência e visibilidade. Sou da décima terceira turma de magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, empossada aos 9 de abril de 1999. Dos oito candidatos aprovados naquele concurso, era a única mulher na magistratura rondoniense. Cenário distinto, nós vislumbramos atualmente. Por exemplo, no XX concurso para ingresso na carreira da magistratura do Poder Judiciário de Rondônia, que empossou os novos juízes em 2023, tivemos 10 mulheres de um total de 30 magistrados aprovados, o que consiste em uma renovação de um terço da magistratura com a judicatura exercida por mulheres.
Ademais, segundo o relatório sociodemográfico da magistratura brasileira, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018, as mulheres representam 44% dos juízes substitutos, 39% dos juízes titulares e, somente, 23% da composição dos Tribunais é de desembargadoras. O que podemos inferir que se a promoção de um magistrado demanda tempo, esta promoção para uma magistrada requer um tempo ainda maior, possivelmente devido ao fato de a magistratura historicamente ser composta por uma maioria absoluta de homens. O estudo feito pelo CNJ em 2018, indicou o crescimento da participação feminina no Judiciário, mas não é preciso ir muito longe, posto que, nos anos 1990, as mulheres magistradas representavam 25% do quadro efetivo da carreira e precisou de 28 anos para que a participação feminina subisse apenas 12%. Embora haja avanços, ainda sim, este equilíbrio é distante e os números reforçam isso.
O estudo apontou ainda que dos 18.168 juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores, a Justiça brasileira detém apenas 6.820 magistradas – totalizando 37% das vagas na carreira da magistratura. As organizações internacionais, entre elas a própria ONU destacou a Islândia na primeira posição do ranking mundial sobre igualdade de gêneros, enquanto o Brasil ocupa sofrível 95ª colocação.
Não podemos fechar os olhos para um passado em que a alfabetização, o direito ao voto e o divórcio eram negados às mulheres. A ocupação da mulher em cargos no Poder Judiciário está intrinsecamente ligada à promoção de uma igualdade que favoreça não apenas magistradas, mas também servidoras.
Trata-se de uma correção, na tentativa de amenizar o que é inexorável, uma vez que não se pode apagar ou negar o passado, mas podemos construir novos horizontes para um futuro mais igualitário. Portanto, não há que se falar em privilégios de gênero, mas o alcance de uma efetiva igualdade e seus interstícios.
Neste sentido, acredito em um Judiciário que assuma um posicionamento assertivo e assegure o compromisso de integrar a presença feminina nos espaços predominantemente ocupados pelos homens. Vivenciamos tempos de mudanças decorrentes da globalização e da transformação econômica, social e política nas relações de poder. Enquanto compõe um dos elementos basilares do Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário torna-se coadjuvante ao equiparar o déficit de mulheres nos cargos de destaque e de poder.
É salutar reiterar que as mulheres possuem legitimidade para tratar sobre assuntos relacionados à própria representatividade, sendo temerário que estas discussões, muitas vezes, se limitem tão somente aos homens. O apagamento da participação feminina em questões que envolvem a representatividade da mulher suscita o silenciamento da voz de milhões de outras mulheres que possuem o direito de serem ouvidas e de exercer a competência, conforme saber construído e fincado em bases sólidas.
Há um episódio inspirador de Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, que, em uma conversa com um colega, foi questionada sobre quantas mulheres deveriam fazer parte da Corte entre os nove membros. Ela respondeu: “nove!”, logo foi questionada se não era um exagero e, sem hesitar, ressaltou que não, pois: “não houve um tempo que era sempre assim com os homens?"
A nossa própria Suprema Corte conta com onze ministros, dos quais apenas dois cargos são ocupados por mulheres, sendo elas as ministras: Rosa Weber e Carmen Lúcia, o que identifica a necessidade de uma equalização na esfera máxima do Poder Judiciário, em especial no que concerne à representatividade de raça: jamais tivemos uma ministra negra.
Finalizo com uma profunda reflexão….
Pontuo que a mulher não reivindica a destituição e tampouco propõe uma feroz disputa de poder com os homens ou a promoção de conflitos de gênero. Ao revés, nós queremos contribuir, cooperar e edificar uma sociedade igualitária, fraterna, harmônica e, acima de tudo, justa.
Euma Tourinho, juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Rondônia
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