Escravidão Voluntária

Se a divindade máxima de nosso tempo é o Capital, que tem uma capacidade infinita de se reproduzir e perpetuar, seu motor está completamente descrito no discurso do personagem

Marco Antonio Spinelli
Publicada em 15 de fevereiro de 2024 às 11:47
Escravidão Voluntária

Karl Marx imaginava que o Capitalismo fosse perecer quando o Proletariado se unisse e tomasse para si os Meios de Produção, com a Ditadura do Proletariado, gerando uma sociedade mais justa e igualitária, onde a cada um seria destinado segundo sua própria necessidade.

A tal da ditadura do proletariado não deu certo em nenhum lugar do planeta, mas ainda vemos alguns barbudos raivosos proclamando a morte da burguesia, na propaganda política bancada com o meu, o seu, o nosso dinheiro.

Temos uma nova metáfora mesmerizando as multidões, propagada pela nova e ultramoderna versão do Capitalismo, que é o Neoliberalismo: o Empreendedorismo, nova e massiva religião vociferada por coaches e palestrantes motivacionais: “Seja empresário de si mesmo”. “Destrave a sua Prosperidade”.

Gordon Gekko, personagem de um filme antigo de 1987, “Wall Street: Poder e Cobiça”, demonstra, na voz do ator Michael Douglas, o célebre discurso sobre a verdadeira força condutora do nosso tempo: a Ganância.

“O ponto, senhoras e senhores, é que a Ganância, pela falta de uma palavra melhor, é Boa. Ganância é o Certo. Ganância funciona. Ganância clarifica, abre caminhos e captura a essência do espírito da evolução”.

Se a divindade máxima de nosso tempo é o Capital, que tem uma capacidade infinita de se reproduzir e perpetuar, seu motor está completamente descrito no discurso do personagem. A Ganância funciona. A Ganância abre caminhos.

A ditadura do proletariado foi substituída pelos motoboys ensandecidos cortando os carros para fazer a entrega mais rápida possível. Quanto mais eficientes, mais receberão no final do dia. São microempreendedores do nosso tempo. Mais trabalho, mais eficácia, mais produtividade. Gritam os gurus digitais: “Aumentem sua produtividade e faça parte do 1% dos que ganham mais”.

Byun Chul-Hann, filósofo sul-coreano, descreve em seu livro “Psicopolítica”, o processo de dominação onde a exploração não se dá mais entre o patrão, a empresa, e o empregado. Hoje, a exploração é entre o Sujeito-empreendedor-de-si-mesmo e a sua produtividade. A cultura do mais-mais-mais, ou melhor-melhor-melhor, cria uma legião de escravos do próprio trabalho e ânsias de consumo. Gordon Gekko estava coberto de Razão. A força propulsora da evolução é a Ganância. Não é o Desejo. Não é o Poder. É a ânsia voraz por engolir tudo. É a Fome infinita que produz epidemias de Obesidade e de mortes por Overdose. Além da destruição dos Ecossistemas.

Nossa única revolução possível é da Consciência. Comer com consciência. Respirar com consciência. Consumir com consciência.

Gordon Gekko pode estar no poder, mas está errado. A Ganância não é boa. A Ganância é mortal.

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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