Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho, completa 109 anos; Governo contribui para preservar patrimônio histórico
Maior saga ferroviária do mundo, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré teve seu último trecho concluído em 1º de agosto de 1912, há 109 anos
A serviço da Sejucel, operários resgatam a locomotiva nº 6, em 2020, no pátio ferroviário da estação de Porto Velho
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, considerada a maior saga ferroviária do mundo, foi inaugurada em 1º de agosto de 1912, há exatos 109 anos. Seus trabalhadores, de diversas nacionalidades, enfrentaram um terrível conjunto de doenças: malária, beribéri, sarampo, pneumonia, disenteria, leishmaniose visceral, ancilostomíase, hemoglobinúria, febre amarela e outras.
Ela foi considerada, no início do século passado, a mais isolada ferrovia do planeta. Atualmente, o que restou de seu patrimônio sucateado está guardado em Porto Velho, e parte recuperada pelo governo estadual e prefeitura municipal. Os Ministérios Públicos Estadual e Federal colecionam denúncias de furtos, roubos e desaparecimento de peças.
Segundo a Biblioteca Nacional, em 30 de abril de 1912, foi concluído o que se considera o último trecho da ferrovia.
De acordo com Carolina Pena de Alencar, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a partir do ciclo da borracha, empresas inglesas e estadunidenses investiram seu capital no Brasil para o controle da extração em todo o vale amazônico.
A construção da ferrovia era justificada pela necessidade de escoar a borracha, principal produto de exportação brasileiro. O transporte era realizado por via fluvial, elevando os custos tributários, sacrificava vidas humanas – principalmente de índios brasileiros e bolivianos – e perda de mercadorias.
“Eles utilizavam mão de obra indígena e, posteriormente, a nordestina; a economia da borracha foi gradativamente se territorializando na região amazônica”, conta Carolina.
As precárias condições sanitárias na região impediram a primeira tentativa de se construir a estrada de ferro entre Porto Velho e Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com a Bolívia. “Metade dos trabalhadores adoecidos morriam e os sobreviventes tornavam-se pessoas debilitadas, que dificilmente seguiam trabalhando. No segundo ano, o período médio de vida dos operários era de três meses; em 1908 foi construído o Hospital da Candelária, que impressionou o sanitarista Oswaldo Cruz em visita de inspeção à região da obra”, relata ainda Carolina Alencar.
O médico fora chamado com urgência no Rio de Janeiro, passou um mês na região e apresentou um relatório sobre as condições sanitárias. Segundo descrevera na época, “a região está de tal modo infectada que sua população não tem noção do que seja o estado hígido e para ela a condição de ser enfermo constitui a normalidade”.
Restos de um vagão, armazenados em um depósito no Bairro Lagoinha
O que eu vim fazer aqui!
Qual a razão de todos esses mortos internacionais que renascem na bulha da locomotiva e vêm com seus
olhinhos de luz fraca me espiar pelas janelinhas do vagão (Mário de Andrade, no livro O turista aprendiz).
Segundo o historiador Manoel Rodrigues Ferreira, desde 1867 pelo Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extra intenção era construir uma estrada de ferro, ou de rodagem, para superar o trecho encachoeirado dos rios Madeira e Mamoré, obstáculos responsáveis pelo alto custo das mercadorias de importação e exportação.
“Apesar de tentativas anteriores foi apenas no início do século XX que a construção de uma ferrovia binacional foi viabilizada através do Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903, do qual foram signatários o Brasil e a Bolívia, cujo objetivo era pôr fim ao litígio originado com a luta pela posse da área do atual estado do Acre, e como parte dessa disputa territorial o governo brasileiro abriu concorrência pública para a construção da ferrovia”, conta Rodrigues, autor do livro A Ferrovia do Diabo.
O artigo VII deste Tratado de paz explicitava traz este objetivo: “Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou em outro ponto próximo (Estado de Matto-Grosso), chegue a Villa-Bella (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré.
Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquezas e tarifas (Tratado de Petrópolis, 1903).
A concorrência para definir a empresa que iria realizar a construção da estrada ferro foi vencida pelo engenheiro Joaquim Catrambi. Devido a acordos firmados entre ele e o empresário Percival Farquhar, designou-se a empresa Madeira-Mamoré Railway Company para a administração da ferrovia, fundada por este último.
Era um investimento arriscado, porque as 40 mil toneladas de borracha exportadas pela Amazônia representavam 90% da produção mundial, gerando 1,50 dólar por libra de borracha adquirida pelas indústrias de eletricidade e de pneus de automóveis, em franca expansão. A produção das seringueiras asiáticas era de apenas 1.500 toneladas e parecia não constituir ameaça (Gauld, 2006).
Borracha viajava pelo trem no século passado, no período da 2ª Guerra Mundial
O ponto inicial para a construção da ferrovia era a vila de Santo Antônio por sua condição natural que finalizava o trecho encachoeirado do rio Madeira, porém alegando dificuldades com a insalubridade e problemas com o porto a empresa decidiu iniciar o empreendimento em outro ponto que distava sete quilômetros dessa vila, aglomerando ali os estabelecimentos industriais e as infraestruturas necessárias para atender as condições de produtividade do trabalho (Fonseca, 1998).
O empreendimento Madeira-Mamoré Railway Company foi assinado pelos irmãos americanos Philips e Thomas Collins em 1877. No ano seguinte partiram da Filadélfia com engenheiros, demais trabalhadores e toneladas de máquinas, ferramentas e carvão mineral. No entanto, em janeiro de 1879 foi decretado à falência da empresa Collins.
O engenheiro norte-americano Percival Farquhar (1864-1953), considerado um dos maiores empresários da história do país, foi um dos responsáveis por tocar o empreendimento durante os anos de 1907 a 1912, mantendo o nome usado pelos irmãos Collins. O trem seguiria um trajeto de cerca de 350 quilômetros passando por perigosas corredeiras e cachoeiras da maior floresta tropical úmida do mundo.
Inaugurada em 1912, a EFMM só daria lucro nos dois primeiros anos de atividade, fato explicado pela queda vertiginosa da participação brasileira no mercado da borracha, propiciada pela ascensão da concorrência asiática que oferecia um produto de qualidade e de mais fácil extração. Logo, as atividades de Farquhar na Amazônia entraram em falência.
Aluízio Pinheiro Ferreira, em 1937, a mando de Getúlio Vargas, assumia a direção da ferrovia até 1966, informam a Biblioteca Nacional e a pesquisa da Secom. Entre 1943 e 1946 ele governava o Território Federal do Guaporé.
Em 1º de julho de 1972, por decreto do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, a EFMM foi definitivamente desativada.
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