Ex-soldado da Aeronáutica é condenado por matar colega nas dependências do Ministério da Defesa
Ouvido, o acusado confirmou que disparou contra o colega, porém, acreditava veementemente que a arma não estivesse carregada
O Conselho Permanente de Justiça da 2ª Auditoria Militar de Brasília condenou, nesta terça-feira (22), um ex-soldado da Aeronáutica a 6 anos de reclusão, por homicídio doloso, pelo assassinato de um colega nas dependências do Ministério da Defesa. Ambos os militares estavam escalados para o serviço de sentinela na véspera do crime.
No dia 19 de novembro de 2022, próximo ao término do serviço, por volta das 7h45, a vítima, também soldado, estava sentada em um sofá, na sala de convivência do prédio Anexo do Ministério da Defesa. Ele estava ao lado de outro soldado e assistiam a um vídeo no celular. Nesse momento, o acusado, à época com 19 anos, adentrou o recinto com a pistola na cintura, em vez de tê-la no coldre, foi na direção da vítima, sacou a arma, “deu o golpe de segurança” e disparou contra a cabeça do militar.
Após ter efetuado o disparo, o denunciado foi, com a arma em mãos, ao encontro do Cabo da Guarda, que verificou que o artefato estava quente, e realizou o procedimento de segurança, retirando a munição e efetuando um disparo em “seco” na caixa de areia, acompanhado pela Comandante da Guarda de serviço no dia. Uma equipe do SAMU foi acionada para prestar socorro à vítima, mas já a encontraram sem sinais de vida, restando consignado no Registro de Atendimento que o óbito ocorreu no local do fato.
O Laudo de Exame Cadavérico indica como causa da morte do militar o fato de ter sofrido “traumatismo craniano penetrante grave com múltiplas fraturas na calota craniana e base de crânio, hemorragia subaracnóidea e hemoventrículo”, concluindo, por fim, que a morte se deu por “traumatismo craniano grave devido a ação de instrumento perfurocontundente”.
Ouvido, o acusado confirmou que disparou contra o colega, porém, acreditava veementemente que a arma não estivesse carregada. Declarou que não imaginava que tal fato pudesse acontecer, que foi uma “brincadeira idiota”, uma “irresponsabilidade”. Afirmou que se desesperou frente ao ocorrido e estava arrependido.
De acordo com os autos do processo, o agente do disparo era contumaz em fazer “brincadeiras” com o armamento, tendo, minutos antes, apontado a arma para as costas de outro colega enquanto este se barbeava. Ele então sacou a arma da gandola e a apontou para o meio da coluna do militar, dizendo que “se lhe desse um tiro naquele momento, não andaria mais”.
Vídeos gravados no celular do acusado demonstram que esse tipo de comportamento era comum entre os soldados, apesar das advertências sobre os riscos inerentes ao manuseio indevido de arma de fogo terem sido proferidas em briefings dirigidos às equipes de serviço.
Denúncia do MPM
De acordo com a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), o denunciado agiu “levianamente” com o armamento, deixando de observar as prescrições relativas ao serviço armado.
“Assim, a partir do momento em que se aproximou da vítima, sacou a pistola, ‘deu o golpe de segurança’ (ato que carregou a arma), mirou sobre a sua cabeça e puxou o gatilho, o denunciado assumiu o risco de produzir o resultado, vindo, de fato, a efetuar o disparo fatal”, declaram os termos da denúncia.
O MPM denunciou o acusado pelo crime previsto no artigo 205, caput (homicídio simples), do Código Penal Militar, com incidência da circunstância agravante prevista no artigo 70, inciso II, alínea “l” (ter cometido o crime estando de serviço), do mesmo diploma legal.
Durante o julgamento desta terça-feira, a promotora responsável pelo caso, Caroline Piloni, rejeitou a tese da defesa de homicídio culposo – operado por negligência, imprudência ou imperícia – e sustentou a tese de homicídio simples com ocorrência de dolo eventual – quando o autor do crime assume o risco de contribuir com o resultado danoso, nesse caso a morte. A pena sugerida pela representante do MPM foi de 6 anos de reclusão em regime semiaberto.
Segundo a promotora, pelas circunstâncias do caso, o acusado incrementou em muito o risco de uma lesão grave ou de um resultado fatal: tinha conhecimento sobre como manusear um armamento, disparou contra a cabeça da vítima e efetuou o disparo numa sala com outras pessoas presentes.
Defesa: ambos eram amigos
Em sua sustentação oral, o advogado do acusado enfatizou o fato de ambos os militares envolvidos no ocorrido serem amigos. Ele também lembrou que eles estavam num contexto de brincadeira, que o acusado acreditava que a arma estava descarregada e que, após o ocorrido, o autor do tiro ficou desesperado. O advogado acentuou que o dolo poderia ser resumido pelo “querer” a morte de outra pessoa, já a culpa envolveria em essência a “violação de um dever de cuidado”.
O advogado Andrew Farias também lembrou que o dolo eventual é marcado pela indiferença do agente quanto ao resultado decorrente dos seus atos, redundando em consentimento por parte do agente. Na hipótese de culpa, ele afirmou que o agente não aceita o resultado previsto, mas lamenta de forma visível o resultado, pois não acredita que tal se concretizará na prática. Segundo Farias, essa última hipótese, proposta pela defesa, não retira a gravidade do ocorrido, mas nada teria a ver com um desejo do ex-soldado matar o colega. Ao final de sua fala, o advogado pediu ao Conselho de Justiça para que desclassificasse a conduta do acusado para homicídio culposo, que prevê penas mais brandas.
Ao final do julgamento, o Conselho Permanente de Justiça, formado pelo juiz federal da Justiça Militar da União Frederico Magno Veras e por mais quatro juízes militares (oficiais da Aeronáutica) decidiram, por unanimidade, seguir os termos da denúncia para condenar o acusado a uma pena de 6 anos de reclusão, em regime semiaberto, por homicídio simples, com ocorrência de dolo eventual.
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