'Façam a coisa certa'
A ocupação da sede dos Três Poderes foi o ato final de uma conspiração que começou na posse de Bolsonaro, em 2019
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A invasão e destruição do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF, em Brasília, a 8/1/2023, por milhares de bolsonaristas, foi o ato final de uma conspiração contra o estado democrático de direito estimulada pelo presidente Jair Bolsonaro desde a sua posse, a 1/1/2019.
Mas a intenção de derrubar a democracia é bem anterior. Ainda em 1999, ainda deputado federal, ele declarou:
“Se eu fosse presidente, não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia”.
Não falou nem na possibilidade; não tinha “a menor dúvida” que daria um golpe.
Durante a campanha de 2018, seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, disse, em vídeo que circulou nas redes sociais, que fechar o STF seria fichinha:
“Para fechar o STF basta um jipe, um soldado e um cabo”.
Ninguém pode fechar a mais alta corte do país senão numa ditadura. E não se chega a uma ditadura sem um golpe de estado.
No início de 2021, Jair Bolsonaro afirmou, pasmem:
“Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo”.
Como estávamos e estamos numa democracia, não há dúvida que o regime preferido do então presidente da República era (e é) um regime autoritário.
Em março de 2021 ele mencionou a sua simbiose “com o povo” e se vangloriou de sua posição hierárquica na chefia do Exército, da Marinha e da Aeronáutica:
“Eu faço o que o povo quiser. Digo mais: eu sou o chefe das Forças Armadas”.
Ele se submete ao povo, que reproduz as suas intenções golpistas, e não à constituição. Se o povo quiser ditadura, ele vai obedecer e garantir a sua implantação por meio da força militar.
No desfile militar de 7 de Setembro de 2021, em Brasília, proferiu ameaças, intimidações e se expressou c0mo se fosse um tirano:
“Quero dizer àqueles que querem me transformar em inelegível: só Deus me tira de lá”.
“Só saio preso, morto ou com vitória”.
“Quero dizer aos canalhas que nunca serei preso”.
“Não é uma pessoa no TSE que vai dizer que esse processo é seguro, usando a sua caneta para desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação”.
“Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas em nosso país”.
Falava acerca da prisão do então deputado federal Daniel Silveira, posto na cadeia pelo ministro do STF Alexandre de Moraes por incitar linchamento de ministros do STF, dentre outras barbaridades.
No mesmo 7 de Setembro, falando a apoiadores que portavam faixas tais como “Intervenção militar com Bolsonaro no poder”, na avenida Paulista, em São Paulo, chamou Moraes de “canalha” e pediu ao presidente do STF, Luiz Fux, que o afastasse ou então a própria instituição sofreria consequências:
“Ou o chefe desse STF enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos”.
“O que não queremos” seria “fechar o STF com um soldado e um cabo”? Parece que sim.
E ainda lançou um ultimato ao Congresso e ao STF:
"Peço a Deus coragem para decidir. Não são fáceis as decisões. Não escolham o lado do conforto. Sempre estarei ao lado do povo brasileiro. Esse retrato que estamos tendo nesse dia é de vocês. É um ultimato para todos que estão na praça dos Três Poderes, inclusive eu, presidente da República, para onde devemos ir".
Mais uma vez admitiu que era guiado pelo povo, o povo que pedia intervenção militar com ele no poder.
Na infame reunião com embaixadores estrangeiros, a 18 de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, voltou a atacar ministros do STF e do TSE, acusando-os, sem provas, de favorecer seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva e a lançar suspeitas infundadas sobre as urnas eletrônicas:
"O senhor Barroso, também como o senhor Fachin, começaram a andar pelo mundo me criticando, como se eu estivesse preparando um golpe por ocasião das eleições. É o contrário o que está acontecendo."
"Eu ando o Brasil todo, sou bem recebido em qualquer lugar. Ando no meio do povo. O outro lado, não. Sequer come no restaurante do hotel, porque não tem aceitação. Pessoas que devem favores a eles não querem um sistema eleitoral transparente. Pregam o tempo todo que, após anunciar o resultado das eleições, os chefes de Estado dos senhores devem reconhecer o resultado das eleições".
Mas o maior indício de seu estímulo ao 8/1 ocorreu no dia 9 de dezembro de 2022, três dias antes da diplomação do novo presidente da República.
A centenas de apoiadores, devidamente caracterizados com as camisas da seleção brasileira e enrolados na bandeira nacional, reunidos na entrada do Palácio da Alvorada, que gritavam “fica Bolsonaro”, ele elogiou esse gesto obviamente golpista:
“Eu só vi o povo ir à rua para tirar presidente”.
Ou seja: ele achou correto o povo ir à rua para exigir que ele ficasse, apesar de ter perdido nas urnas e o resultado ter sido reconhecido pelo TSE.
E prosseguiu:
"Quantos amigos nós perdemos por falar a verdade para eles? Quantas vezes nós nos irritamos quando alguém diz a verdade para nós? E hoje estão vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai (sic) as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai a Câmara e o Senado, são vocês também".
"O poder emana do povo? Depende de quem o povo escolhe para representá-lo. Se o poder emanasse do povo somente pelo povo, Cuba não seria uma ditadura, nem a Venezuela. Devemos ver o que aconteceu em outros países, (...) exatamente os mesmos erros, nada está perdido. O final somente com a morte".
“Eu sou exatamente igual a cada um de vocês que está aqui”.
“Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno”.
“Não podemos esperar chegar lá na frente e olhar para trás e dizer o que eu não fiz lá atrás e chegamos a essa situação de hoje em dia? Sabemos que cada minuto é um minuto a menos. Vamos fazer a coisa certa. Diferentemente de outras pessoas, vamos vencer”.
A frase que mais me intrigou nesse pronunciamento do ainda presidente da República foi “vamos fazer a coisa certa”.
“Faça a coisa certa” (“Do the right thing”) é o título do famoso filme de Spike Lee, no qual manifestantes quebram uma pizzaria em protesto contra o dono e a frase é repetida várias vezes. Como uma senha.
Um mês depois do discurso, a 8/1/2023, os bolsonaristas quebraram, pela primeira vez na história do Brasil, não uma pizzaria, mas o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF.
Alex Solnik
Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"
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