Florestan Fernandes e o país que ficou no meio do caminho

Não nos preparamos para esse momento de transição, talvez com medo do desconhecido ou por acomodação de quem desfruta o poder. Ficamos no meio do caminho

Por Florestan Fernandes jr
Publicada em 12 de agosto de 2020 às 13:12
Florestan Fernandes e o país que ficou no meio do caminho

O sol ainda nem tinha iluminado o céu escuro da noite que terminava, e o telefone ao lado da cama me desperta de maneira abrupta. O coração disparou, prevendo o pior. Do outro lado da linha, o médico comunica que, infelizmente, meu pai havia falecido. As lágrimas transbordaram dos olhos e escorreram pela face, umedecendo a camiseta e parte do lençol. Um a um, comuniquei às pessoas mais próximas a triste notícia. A última foi minha mãe. Ao ouvir a voz dela ao telefone, as palavras travaram na minha garganta e o choro impediu qualquer tipo de conversa. Neste dia 10 de agosto, faz 25 anos que meu pai faleceu, vítima de um erro médico. No velório na USP, estudantes, trabalhadores rurais, jornalistas, intelectuais e políticos lamentavam a morte do sociólogo. Por longos momentos, Mário Covas, Ruth Cardoso, Francisco Weffort, Paulo Renato, Frei Betto, Lula, Suplicy, Plínio Arruda Sampaio, Luíza Erundina e João Pedro Stédile se irmanaram no mesmo pesar. Tempos em que PT e PSDB ainda conviviam em certa harmonia. 

Os sociais democratas e a centro-esquerda governaram o país por 22 anos, e deixaram como legado alguns avanços na área econômica e social. Mas se distanciaram demais de suas origens. O PSDB aderiu aos princípios mais ortodoxos  do neoliberalismo. Transformou-se em um Partido de direita clássico. Sua bancada minguou na Câmara dos Deputados, é a nona na atual legislatura.

O PT, de 69 deputados em 2014, caiu para 56. Mesmo assim, continua sendo a maior legenda do Congresso. No poder, o Partido de Lula fez reformas sociais e de inclusão social importantes, mas se distanciou excessivamente das suas origens, ligadas aos movimentos sociais. Justamente o que temia Florestan Fernandes nos anos 1980:

”É preciso pensar concretamente não só em termos anticapitalistas, mas em termos do socialismo... Não ignorar que a hegemonia da classe dominante na América Latina não tem só uma escala nacional, ela tem uma escala mundial. No futuro poderão surgir condições para a passagem do socialismo reformista ao socialismo revolucionário. Esta oscilação é inevitável e devemos estar maduros e preparados para conduzi-la”. Infelizmente não estávamos. Não nos preparamos para esse momento de transição, talvez com medo do desconhecido ou por acomodação de quem desfruta o poder. Ficamos no meio do caminho.

Pena termos perdido essa chance histórica de traçar um lindo projeto de nação. Esses 25 anos pedem uma reflexão desapaixonada, mas seremos capazes disso?

Ao criarem novas legendas, se descolando das estruturas partidárias corrompidas pelo financiamento privado do capital, PT e PSDB não tiveram paciência para construir alternativas que bloqueassem a contaminação do público pelo privado.

Chegaram logo ao poder se valendo de recursos milionários que os amarraram aos interesses econômicos que atendiam a políticas de concentração de renda e de perpetuação da exclusão social.

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