Fux é mestre na estratégia de pedir vista e sepultar processos

Um tribunal não pode ficar refém das idiossincrasias de um único juiz

Fonte: Paulo Henrique Arantes - Publicada em 05 de abril de 2025 às 13:36

Fux é mestre na estratégia de pedir vista e sepultar processos

Luiz Fux (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

Os pedidos de vista no Supremo Tribunal Federal desde sempre servem muito mais a estratégias políticas de ministros do que a aprofundamento sobre ações em votação. O regimento da corte foi modificado em 2022 pela Emenda Regimental 58, e desde então o prazo máximo para devolução de um processo para conclusão do julgamento pelo colegiado é 90 dias. Três meses, em alguns casos, pode ser muito tempo. De outra parte, ainda vivem-se reflexos de “perdidos de vista” do passado. O campeão nessa modalidade de chicana é o ministro Luiz Fux.

Num nítido ato de “populisprudência” (termo cunhado pelo professor de Direito da USP Conrado Hübner Mendes, que aglutina populismo e jurisprudência), Fux pediu vista do processo da cabeleireira-pichadora-golpista Débora Rodrigues dos Santos. O juiz, de perfil muito mais punitivista do que garantista, sofreu um surto piedoso, como amplamente noticiado. De pronto emergiu como fio de esperança bolsonarista no STF. 

A estratégia de pedir vista de um processo equivale, muitas vezes, a matá-lo no peito e sepultá-lo para sempre. O único arranjo aceitável do pedido de vista é que não interrompa por prazo indeterminado uma deliberação que começou e que deve continuar em tempo hábil. Muitas vezes, o processo é devolvido quando o caso em tela já teve desfecho político, econômico ou social que torna o julgamento dispensável. Isso pode significar a vitória de um juiz postergador potencialmente derrotado pela maioria na turma ou no plenário.

O desempenho de Luiz Fux no campo estratégico dos “perdidos de vista” é espetacular. Em agosto de 2015, ele pediu vista do Recurso Extraordinário 635.659 / ADPF 187, que trata da descriminalização das drogas e discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343 / 2006). O julgamento está paralisado até hoje. 

Em novembro de 2021, após o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, Fux pediu vista em processo sobre o Fundo Eleitoral (ADI 5.998 / DF), que discute a validade da emenda parlamentar que aumentou o Fundo Eleitoral para R$ 5,7 bilhões, furando o famigerado teto de gastos. O adiamento permitiu que as eleições de 2022 ocorressem com o fundo ampliado, sem definição sobre sua legalidade. O caso permanece indefinido.

Em maio de 2023, Luiz Fux pediu vista, após o voto do relator Gilmar Mendes, da ADI 6.057, a qual questiona a autonomia do Banco Central conferida pela Lei 13.848 / 2019. Fux ainda não devolveu os autos, ferindo a Emenda Regimental 58 (a dos 90 dias), que é 2022, mas que não estabelece sanções a quem descumpri-la.

A vista de um processo deveria ser condicionada à devolução em sessão imediatamente subsequente, ou no máximo em duas sessões. Um tribunal não pode ficar refém das idiossincrasias de um único juiz.

Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

295 artigos

Fux é mestre na estratégia de pedir vista e sepultar processos

Um tribunal não pode ficar refém das idiossincrasias de um único juiz

Paulo Henrique Arantes
Publicada em 05 de abril de 2025 às 13:36
Fux é mestre na estratégia de pedir vista e sepultar processos

Luiz Fux (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

Os pedidos de vista no Supremo Tribunal Federal desde sempre servem muito mais a estratégias políticas de ministros do que a aprofundamento sobre ações em votação. O regimento da corte foi modificado em 2022 pela Emenda Regimental 58, e desde então o prazo máximo para devolução de um processo para conclusão do julgamento pelo colegiado é 90 dias. Três meses, em alguns casos, pode ser muito tempo. De outra parte, ainda vivem-se reflexos de “perdidos de vista” do passado. O campeão nessa modalidade de chicana é o ministro Luiz Fux.

Num nítido ato de “populisprudência” (termo cunhado pelo professor de Direito da USP Conrado Hübner Mendes, que aglutina populismo e jurisprudência), Fux pediu vista do processo da cabeleireira-pichadora-golpista Débora Rodrigues dos Santos. O juiz, de perfil muito mais punitivista do que garantista, sofreu um surto piedoso, como amplamente noticiado. De pronto emergiu como fio de esperança bolsonarista no STF. 

A estratégia de pedir vista de um processo equivale, muitas vezes, a matá-lo no peito e sepultá-lo para sempre. O único arranjo aceitável do pedido de vista é que não interrompa por prazo indeterminado uma deliberação que começou e que deve continuar em tempo hábil. Muitas vezes, o processo é devolvido quando o caso em tela já teve desfecho político, econômico ou social que torna o julgamento dispensável. Isso pode significar a vitória de um juiz postergador potencialmente derrotado pela maioria na turma ou no plenário.

O desempenho de Luiz Fux no campo estratégico dos “perdidos de vista” é espetacular. Em agosto de 2015, ele pediu vista do Recurso Extraordinário 635.659 / ADPF 187, que trata da descriminalização das drogas e discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343 / 2006). O julgamento está paralisado até hoje. 

Em novembro de 2021, após o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, Fux pediu vista em processo sobre o Fundo Eleitoral (ADI 5.998 / DF), que discute a validade da emenda parlamentar que aumentou o Fundo Eleitoral para R$ 5,7 bilhões, furando o famigerado teto de gastos. O adiamento permitiu que as eleições de 2022 ocorressem com o fundo ampliado, sem definição sobre sua legalidade. O caso permanece indefinido.

Em maio de 2023, Luiz Fux pediu vista, após o voto do relator Gilmar Mendes, da ADI 6.057, a qual questiona a autonomia do Banco Central conferida pela Lei 13.848 / 2019. Fux ainda não devolveu os autos, ferindo a Emenda Regimental 58 (a dos 90 dias), que é 2022, mas que não estabelece sanções a quem descumpri-la.

A vista de um processo deveria ser condicionada à devolução em sessão imediatamente subsequente, ou no máximo em duas sessões. Um tribunal não pode ficar refém das idiossincrasias de um único juiz.

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Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

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