Globo cobriu encontro de inimigos da democracia como se fosse um festival de rock and roll
Mesmo entre as classes médias e alta, que formam a maioria do público dos canais de notícia 24 horas, a cobertura superdimensionada não faz sentido, diz Bepe
Trump no segundo dia da convenção republicana ouve elogios de ex-rivais (Foto: Evelyn Hockstein/REUTERS)
Qual será o nível de interesse dos brasileiros pelas eleições nos Estados Unidos imaginado pela Rede Globo?
A julgar pela megacobertura que fez da convenção do Partido Republicano, o jornalismo global aposta que o assunto desperta mais atenção do público do que uma Copa do Mundo de futebol, ou do que os Jogos Olímpicos, ou da novela Avenida Brasil que, em passado recente, bateu recordes de audiência.
Gostaria de ter acesso a uma pesquisa que avaliasse a importância real que as pessoas dão à disputa eleitoral norte-americana.
Mas sou capaz de cravar que é infinitamente menor do que sugere o aparato de repórteres e comentaristas destacado pela Globo, além do latifúndio de tempo destinado pela emissora ao assunto.
Mesmo entre as classes médias e alta, que formam a maioria do público dos canais de notícia 24 horas, a cobertura superdimensionada não faz sentido.
Para piorar, tem a falta de senso crítico de correspondentes que se esforçaram em dar ares de festival de rock and roll à convenção republicana, sabidamente um encontro de cidadãos brancos, ricos, xenófobos, sem convicção democrática, adeptos da violência das armas e, em muitos casos, racistas.
Na cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin, esteve reunida por três dias a nata do que há de mais retrógado, reacionário e antidemocrático nos EUA.
Nem de longe, porém, esta realidade foi sequer tangenciada pelo jornalismo da GloboNews.
Não deixou de ser patética a expectativa criada em torno a fala do candidato a vice de Trump, como se dali pudesse sair qualquer coisa diferente da bajulação ao cabeça de chapa.
Fora os trumpistas, os bolsonaristas e demais militantes da extrema-direita ao redor do mundo, todos têm a obrigação de saber que Trump é e sempre será uma pessoa do mal. Dessas que nem mesmo ter escapado da morte por alguns milímetros é capaz de levar a alguma reflexão humanista.
Mas profissionais de imprensa tarimbados insistiram na tese furada de que Trump faria um discursos com apelos à união e à pacificação do país.
Tiro n'água.
Em seu discurso, lá estava o velho Trump fascista, mentiroso e destilando o ódio costumeiro.
Quem dera que este episódio servisse para que gente que trabalha com informação entendesse que sofrer um atentado não pode transformar em pop star um sujeito que é uma ameaça ambulante à democracia global.
Contudo, tenho zero de esperança de que isso vá ocorrer.
Jornalista, editor do Blog do Bepe
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