Guerra e eleição

Não há pesquisas ainda, mas é razoável supor que ampla maioria do eleitorado brasileiro esteja impressionada com a visão das mortes na Ucrânia, inclusive de crianças, da fuga de brasileiros, e tenha sido seduzida pela liderança do comediante ucraniano

Helena Chagas
Publicada em 02 de março de 2022 às 13:38
Guerra e eleição

Se, na guerra, a verdade é a primeira vítima, imagine-se nas eleições. A mistura é inevitável. Historicamente, guerras consagraram governantes, que se transformaram em grande líderes, mas também apressaram a caminhada de outros rumo ao lixo da história. Por ora, a da Ucrânia já transformou o comediante Volodymyr Zelensky numa vedete mundial, e tem dado uma mãozinha a Joe Biden, que vai enfrentar eleições parlamentares e andava perdendo aprovação nos EUA.

A guerra da Ucrânia não envolve diretamente o Brasil, mas a posição errática de Jair Bolsonaro em relação ao conflito certamente cobrará seu preço. A dependência do Brasil dos fertilizantes da Russia pode parecer uma boa desculpa, mas  dificilmente disfarçará o fato de que o presidente brasileiro enfiou os pés pelas mãos nesse episódio.

No feriadão de carnaval, o brasileiro foi bombardeado com imagens e reportagens comoventes sobre a guerra, mostrando cenas de brasileiros em fuga, ucranianos reagindo, integrantes da ONU e da União Européia aplaudindo a resistência de Zelenski e seu país. A opinião pública mundial, incluindo a do Brasil, já formou opinião sobre esse conflito -- independentemente das questões geopolíticas que estão por trás. 

O mesmo noticiário mostrou Jair Bolsonaro dizendo que a invasão da Ucrânia pelas forças militares não é nenhum massacre, desdenhando do comediante que lidera o país, evitando qualquer crítica a Vladimir Putin e quase justificando a reação russa ao dizer que as províncias que estiveram no centro do conflito são de população russa. Apesar do malabarismo do Itamaraty - que tenta explicar que a neutralidade presidencial é apenas "equilíbrio" e tem apoiado, na ONU, as posições que condenam os russos - , clara está a posição do presidente brasileiro.

É possível prever que, à medida em que as tropas russa a avancem, e as imagens da guerra vão se tornando mais e mais horrorosas, Bolsonaro vá sofrendo as consequências de sua posição - mais do que omissa, complacente com Putin. A sete meses da eleição, isso pode impactar a débil recuperação que vinha ensaiando nas pesquisas. No médio prazo, o previsível crescimento da inflação em decorrência do conflito mundial poderá representar um desastre eleitoral maior ainda.

Outros candidatos perceberam para onde o vento sopra e foram rápidos. Ainda que pequenos e nanicos, os postulantes da terceira via se uniram nesta terça para assinar uma nota conjunta com forte repúdio à invasão - Sergio Moro, João Doria, Simone Tebet e Luiz Felipe D'Ávila.  Ciro Gomes, tratou de levantar a voz também.

A quarta-feira amanheceu com cobranças de uma nova declaração de Lula contra o conflito. Ele já fez isso, condenando a guerra, e está agora em visita ao Mexico, onde foi recebido pelo presidente Lopez Obrador - com quem fez manifestação conjunta no mesmo sentido. Mas o petista está sendo provocado a criticar Putin mais duramente. 

É possível que o faça, apesar do argumento - bem real - predominante em boa parte da esquerda de que  Putin foi provocado com o avanço da OTAN rumo a seu país, e que a entrada da Ucrania na UE representa claramente, para os russos, esse risco. A essa altura, porém, é possível que o pragmatismo fale mais alto. Não há pesquisas ainda, mas é razoável supor que ampla maioria do eleitorado brasileiro esteja impressionada com a visão das mortes na Ucrânia, inclusive de crianças, da fuga de brasileiros, e tenha sido seduzida pela liderança do comediante ucraniano.

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