Inventário do estrago: Congresso e STF vão voltar para suas casinhas?
É óbvio que os capas-pretas foram além de suas chinelas, e muitas vezes ultrapassaram os limites institucionais de um Poder Judiciário - que não é para ser Executivo
Em um ano e três dias, muito provavelmente, estaremos dando posse a um novo presidente da República. A data poderá marcar o fim de um calvário de quatro anos em muitos aspectos, mas vai significar, acima de tudo, o início de uma dura caminhada rumo à reconstrução do país, porque o governo Bolsonaro não deixará pedra sobre pedra.
Mas as urgentes soluções para a dramática volta da miséria - que, ao que tudo indica, não vai melhorar em 2022 - , o desemprego, a estagnação da economia e outras mazelas da vida real podem não ser a tarefa mais difícil do novo presidente, ainda que prioritárias.
O grande desafio de quem for eleito em outubro - e as pesquisas de hoje apontam para o ex-presidente Lula - será governar dentro de um cenário de terra arrasada institucional. Além de todo o desastre administrativo do atual desgoverno, que desmantelou programas sociais e estruturas de gestão, tomou decisões absurdas, tirou dinheiro do orçamento social para dar ao policial, etc, sua herança mais maldita está no plano político e das relações com as instituições da democracia.
É só imaginar que, com a quantidade de dinheiro desviado para as emendas de relator do orçamento secreto, o Centrão de Arthur Lira e companhia conseguirá eleger uma boa bancada e continuar dando as cartas na Câmara. Como é que Lula, ou qualquer outro, vai convencer essa turma a abrir mão do mecanismos de controle do orçamento e dos poderes que ganharam nos últimos dois anos? Esse pessoal se acostumou a viver assim, montado na grana e mandando no presidente da República.
Do outro lado da Praça, o novo chefe do Executivo terá também muito trabalho para fazer a turma voltar para sua caixinha. Com o minimalismo presidencial - provocado pela incapacidade administrativa e política - os ministros do STF acostumaram-se também a governar. Foram tantas as vezes em que liminares e decisões de plenário mudaram os rumos de políticas governamentais que muita gente, dentro e fora do Palácio da Justiça, passou a ver isso como natural.
Eu mesma, como cidadã, muitas vezes respirei aliviada, sobretudo na pandemia. Graças a Deus o Supremo está governando! Mas é normal? Não. É óbvio que os capas-pretas foram além de suas chinelas, e muitas vezes ultrapassaram os limites institucionais de um Poder Judiciário - que não é para ser Executivo. Vão gostar da ideia de voltar para sua casinha?
Talvez a única chance, para o próximo chefe do Executivo, seja vencer a eleição com uma margem tão significativa de votos que o leve a chegar muito forte a Brasília. Somente a pressão popular, e o movimento de quem votou num sujeito e quer vê-lo mandando de verdade, poderá frear o avanço dos demais poderes. E, claro, isso precisa se traduzir em leis e dispositivos constitucionais limitando os excessos.
Eleger uma boa bancada também pode ajudar muito, quem sabe separando o centro do Centrão e reduzindo poder de fogo da turma do "mata e esfola" que aprendeu a viver das emendas de relator e das chantagens com o Executivo.
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