Justiça Militar condena sargento da Marinha por assédio sexual
O militar teria usado sua hierarquia e constrangido uma aluna-sargento, de apenas 19 anos, a ir com ele a um motel, após o acusado ter dado carona à vítima durante um treinamento da banda de música
Juíza Federal da Justiça Militar Mariana Queiroz Aquino presidiu o Conselho Permanente de Justiça
Um sargento da Marinha, músico do Batalhão Naval do Rio de Janeiro, foi condenado na 1ª Auditoria da Justiça Militar da União (JMU) no Estado do Rio de Janeiro, por assédio sexual. O militar teria usado sua hierarquia e constrangido uma aluna-sargento, de apenas 19 anos, a ir com ele a um motel, após o acusado ter dado carona à vítima durante um treinamento da banda de música.
Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar (MPM), o caso ocorreu no dia 20 de março de 2019, quando o acusado teria assediado sexualmente a aluna do Curso de Formação de Sargento Músico. Por não ter viatura disponível, o comando do quartel pediu ao sargento que desse uma carona à vítima, musicista de harpa do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC), na Ilha do Governador, até a Companhia de Bandas do Batalhão Naval no Centro do Rio de Janeiro.
No dia, pela manhã, o denunciado deu carona à ofendida até o Batalhão Naval para ensaio da Banda Sinfônica e tudo transcorreu sem qualquer problema. Mas, no retorno, o militar mais antigo convidou a moça para um almoço e se deslocou para um shopping da cidade. Depois insistiu para ir ao cinema e dentro da sala de projeção, iniciou uma série de investidas físicas, com insistência em tocá-la, e ainda com insinuações verbais, todas rejeitadas pela vítima. Em diversas passagens de seu depoimento, a jovem disse não saber reagir diante das investidas do agressor.
Julgamento
A vítima afirmou em juízo que no percurso compreendido entre os bairros de Botafogo e Ilha do Governador, o denunciado proferiu palavras de baixo calão. “Sinalizei que ele estava confundindo as coisas, mas ele parou o carro na orla de uma praia, próximo do Bananal, para tentar me convencer de que a relação seria um crime que valeria a pena. Fiquei desesperada, pois era de São Paulo, não conhecia o Rio de Janeiro e meu celular tinha acabado a bateria. Pedi para me levar imediatamente para o quartel”. Ao ser deixada no quartel da Marinha, a vítima saiu desesperada e contou o ocorrido a duas militares e ao seu namorado, um sargento do mesmo quartel.
Em juízo, o réu negou as acusações e afirmou não entender porque a vítima estaria lhe acusando de coisas tão graves. Disse que diferentemente do depoimento dela, no dia se mostrou muito agradecida e deu “até amanhã” e desembarcou de seu carro.
“Porque as mensagens não foram trazidas à tona, nem 'printadas', quando alegou que estava sem bateria, o que não era verdade? Essas são questões que têm sido latentes ao longo desses 3 anos que vem sendo 'endemonizado' no meio de toda uma classe. Foi uma tarde prazerosa para ambos, e cogitei apresentar minha família a ela. Cabe dizer ainda que ao sair do carro, ela passou pela Guarda do Bananal, sendo que ninguém passa sem apresentar um documento sequer; depois passou pela Divisão Anfíbia, Artilharia Antiaérea, Artilharia, Sala de Estado do CIASC e que somente dentro do alojamento ficou transtornada”, defendeu-se o acusado.
Em sua defesa, o advogado do réu pediu a aplicação do acordo de não persecução penal, trazido pela Lei 13.964/19, que alterou o artigo 28-A do CPP. Mas o Conselho Permanente de Justiça, presidido pela juíza federal da Justiça Militar Maria Aquino, não acolheu o pedido. A juíza fundamentou que o legislador, quando tratou do assunto, deixou de fazê-lo em relação ao Código de Processo Penal Militar.
“Logo, a interpretação não pode ser outra, senão a de que não quis fazê-lo porque quando quis a ele se referir, o fez expressamente no seu artigo 18, ao alterar o artigo 16 do CPPM para acrescentar a alínea A, que tratado sigilo do inquérito. Em verdade, a novatio legis se traduz numa opção de política criminal adotada pelo legislador penal pátrio que cria um verdadeiro negócio jurídico entre o Órgão Ministerial e o envolvido. Assim, por certo, incompatível com a natureza da legislação adjetiva castrense, que tem índole especial. Cabe, ainda, ressaltar que o processo penal militar é o instrumento constitucional, pelo qual se viabiliza a aplicação da lei substantiva castrense, com mira nos princípios da hierarquia e disciplina militares, fundamentais para a existência das Forças Armadas”, disse.
No mérito, o Conselho Permanente de Justiça, por unanimidade, considerou o réu culpado e o condenou a um ano de detenção, em regime aberto, com suspensão condicional da pena (sursis), pelo prazo de dois anos, e o direito de apelar em liberdade. Também acrescentou o dever de participação do sentenciado no curso gratuito online "Assédio Moral e Sexual no Trabalho" oferecido pelo site do Senado Federal (saberes.senado.leg.br), devendo, ao final, o alusivo certificado ser anexado aos autos da execução da pena.
Fundamentação: palavras da vítima tem sobrepeso
Na fundamentação do voto, a juíza Mariana Queiroz Aquino disse que o contexto probatório é harmônico e coeso, restando plenamente comprovada a conduta criminosa. “Nos crimes clandestinos, que ocorrem longe dos olhos das testemunhas, o depoimento da vítima é de extrema importância e deve ser sopesado com os demais elementos constantes dos autos. Ademais, vale acrescentar que no direito americano existe a chamada fresh complaint witness, que se trata daquela pessoa a quem a vítima de um delito sexual procura para relatar o ocorrido, alguém a quem ela normalmente recorreria em busca de solidariedade, proteção e conselho, pouco tempo depois da agressão sexual. Assim, logo após o ocorrido, a ofendida relatou os fatos às testemunhas, cabendo, ainda, ressaltar que o relato da vítima às testemunhas se manteve igual ao longo de toda a instrução criminal, o que corrobora suas alegações. Nesse diapasão, constata-se do depoimento das testemunhas do MPM ouvidas em Juízo, que todas são uníssonas em descrever o comportamento da vítima e o impacto por ela sofrido com o agir do réu”, disse a magistrada.
A juíza também frisou que a ofendida era jovem, iniciando sua carreira militar, aluna residente no CIASC, sem familiaridade com a cidade do Rio de Janeiro, tendo em vista que havia se passado apenas dois meses de sua chegada; fatores que, em seu conjunto, são capazes de demonstrar sua vulnerabilidade perante a situação imposta pelo réu.
“Além do mais, a condição de superior hierárquico do réu, diante da então aluna, foi determinante para que a ofendida se sentisse receosa em negar o convite para o cinema; e, mesmo após perceber as intenções do réu, a ofendida, diante da particularidade de ser recém-chegada à cidade, não teria, naquele momento, condições de se desvencilhar da situação. O fato de o assédio ter ocorrido no carro do acusado, ou seja, numa situação de completo domínio de seu opressor, suprimiu da ofendida por completo a sua liberdade. No entanto, posteriormente, sentindo-se mais segura e protegida, ao retornar para o quartel, relatou a situação vivida às testemunhas, como se vê de seus depoimentos em Juízo. Observa-se que uma mulher militar, ao ser vítima de um crime sexual, é duplamente atingida: como mulher, ao ter sua liberdade e sua dignidade sexuais atacadas, e como militar, eis que impacta diretamente na hierarquia e disciplina, princípios basilares das instituições militares, diminuindo-lhe, portanto, a sua autoridade. Assim, diante da prova testemunhal colhida e do relato da ofendida, forçoso convir que restou comprovada a prática do tipo penal descrito no artigo 216-A do CP, qual seja, o delito de assédio sexual”, fundamentou a juíza Mariana Queiroz Aquino.
De decisão cabe recurso ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.
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