Karitianas, Pacaas novos e outros indígenas usam “batatão” contra picadas de cobras venenosas e contam que ela já salvou vidas

O remédio pode ser aplicado ralado ou na forma de chá.

Montezuma Cruz Fotos: Frank Néry, Daiane Mendonça e Arquivo Cimi-Guajará-Mirim
Publicada em 26 de março de 2019 às 14:41
Karitianas, Pacaas novos e outros indígenas usam “batatão” contra picadas de cobras venenosas e contam que ela já salvou vidas

Bióloga Kamila: cuidados com picadas de cobras venenosas

À falta de soro antiofídico, uma raridade na Amazônia Ocidental Brasileira, indígenas Karitiana, Pacaás novos, Aruã, Tupari e outros usam seus próprios recursos medicinais para combater picadas de cobras venenosas.

 O meio de combate é a surucuína (Eclipta alba), agrião-do-brejo ou erva-botão*, um tubérculo conhecido por batatão, de grande eficácia. O remédio pode ser aplicado ralado ou na forma de chá.

Casos de vítimas desenganadas por médicos ou daquelas que não resistiriam à viagem de cem quilômetros para chegar ao hospital, foram mencionados no último dia 19 pelo cacique Antônio Karitiana, durante palestras de educadores da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Ambiental (Sedam).

A bióloga Gesiana Kamila Damasceno Miranda surpreendeu-se com o relato do cacique durante palestras sobre o Dia da Água, comemorado nesta sexta-feira (22). Ela fez palestra na aldeia central Karitiana, no ramal Maria Conga, a 40 quilômetros da rodovia BR-364, no interior do município de Porto Velho.

 No momento em que Gesiana Kamila falava a respeito das especificações de serpentes peçonhentas de Rondônia e recomendava calma da vítima e de quem socorrê-la, Antônio Karitiana disse-lhe: “Aqui nós temos o nosso jeito” – referindo-se ao primeiro socorro à vítima atacada, antes que o estado de saúde dela se agrave.

Surucuína, ou agrião-do-brejo: salvando vidas entre indígenas em Rondônia

Antônio contou que um indígena saiu às pressas da aldeia, levando o filho picado na perna, para o Centro de Medicina Tropical (Cemetron) em Porto Velho. “Lá, o médico disse que, infelizmente, a criança ia morrer, mas o pai retirou do bolso surucuína ralada e aplicou-lhe no ferimento e minutos depois, ele reagia bem, se salvou”.

A bióloga explicou, então, que cada serpente peçonhenta tem uma característica. “Assim, se por acaso não tiverem a batata, observem estas recomendações”, ela disse, distribuindo um folder** a cada indígena presente na Escola Estadual de Ensino Indígena Médio e Fundamental Kyowã.

 “Lave o local da picada com água, evite contato com o sangue, verificando se existe algum objeto (anel, pulseira u cinto) que possa impedir a circulação sanguínea”, recomendou Gesiana Kamila. “O tempo é fundamental para não agravar o acidente, ou seja, quanto mais rápido melhor”, acrescentou.

O histórico de uso da surucuína ficou conhecido no início dos anos 2000. Segundo o médico francês Gil de Catheu, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Guajará-Mirim, cinco agentes de saúde Orowari dominam conhecimento da planta. “Foi o ancião Palitó Oro Não que ensinou os Oroin (Pakaas-novos) de Rio Negro Ocaia a usar a medicina tradicional na aldeia”, lembrou. “Um dos agentes voltou à aldeia e plantou a surucuína, que ali não existia”. 

Surucuína e outras 160 espécies de plantas consideradas medicinais pelos seringueiros da Reserva Chico Mendes, no Acre, foram estudadas e catalogadas pelo engenheiro agrônomo Lin Chau Ming, do Departamento de Horticultura da Faculdade de Ciências Agrônomas do campus de Botucatu (SP).

Criança vê o folheto com fotos e textos a respeito de peçonhentos

 Ming fez longa pesquisa de plantas regionais, morou com indígenas e seu trabalho fez parte da dissertação de doutorado defendida no final de 1995, no Instituto de Biociência de Botucatu.

* Erva-botão é o nome popular de uma planta da família das Asteráceas, com propriedades medicinais sendo usada como cicatrizante e antiofídica. Também é chamada de agrião-do-brejo e surucuína.

** O informe ilustrado explica que as cobras picam para se alimentar e se defender. E relaciona seis espécies de jararacas, cuja ação venenosa é proteolítica, hemorrágica e coagulante, exigindo aplicação de soro anti-botrópico; uma espécie de cascavel, cuja ação do veneno é miotóxico,  coagulante e neurotóxico; e uma espécie de surucucu-pico de jaca, de igual ação venenosa, cujo soro recomendado é anti-laquético. Todas são da família Viperidae.

Nove espécies de corais pertencem à família Elapidae, que têm veneno neurotóxico e exige soro-elapídico.

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