Leis eleitorais: ninguém respeita
Não do que está escrito na legislação, que todo mundo conhece e quase ninguém obedece, mas de como as coisas efetivamente funcionam
Uma hora, vamos ter que falar a sério a respeito do financiamento da política no Brasil. Não do que está escrito na legislação, que todo mundo conhece e quase ninguém obedece, mas de como as coisas efetivamente funcionam. De como partidos e candidatos arrumam dinheiro para custear suas campanhas nos períodos eleitorais (algo que não é barato). E, também, de como se mantém nos anos sem eleição, pagando equipes, custos operacionais e a infraestrutura de que precisam (o que tampouco é barato).
Estamos tratando do financiamento da politica propriamente dita e não das falcatruas e picaretagens que abundam em seu entorno. Pequenos e grandes esquemas pululam, de oportunistas que usam o argumento das “despesas políticas” como disfarce para botar dinheiro no bolso, comprando apartamentos, viagens à Europa e coleções de joias.
Uma coisa é arrecadar recursos para gastar em disputas eleitorais, outra é desviar, com esse subterfúgio, dinheiro para uso privado. Em boa parte do mundo, é nítida a diferença entre as duas situações, com clara distinção entre elas. Partidos e lideranças podem ser criticadas e punidas por se financiar de maneira irregular, sem que sejam tratadas como bandidas (o que não quer dizer que não as haja). Já os espertalhões, que inventam tramoias para enriquecer, não merecem respeito.
Tome-se o esquema das rachadinhas usado durante décadas por Bolsonaro e seus familiares, um caso do duplo desrespeito à legislação, trabalhista e politica. Tomar dinheiro do salário de funcionários é o mesmo que assaltá-los todo mês e justificá-lo com o argumento dos “gastos políticos” é pura cara de pau.
Igualmente falso é o politico dizer que não precisa de dinheiro em suas campanhas, que recebe a “contribuição espontânea” de amigos e entusiastas, oferecida de graça. Quem for tolo que acredite, por exemplo, que Bolsonaro não gastou “quase nada” em sua campanha presidencial.
É fácil compreender porque, no Brasil, um candidato “rico” prefere não ostentar a riqueza, pois a maioria pobre da sociedade teria dificuldade de vê-lo como capaz de representá-la (em outros lugares, como os Estados Unidos, ao contrário, os ricos gostam de se dizer ricos). E há uma crença generalizada de que somente os partidos que fazem campanhas “baratas” conseguem expressar os interesses da maioria.
A origem dessa lenda talvez seja o PT. Entre muitas originalidades, o PT foi um partido que logo se tornou grande e competitivo sem ter milionários em seus quadros. Nos primeiros tempos, o partido vivia quase que apenas das contribuições de militantes e pessoas comuns, aqui e ali engordadas com rifas, bingos e sorteios.
Foi para não conceder ao PT o discurso do “tostão contra o milhão” que as campanhas dos adversários passaram a camuflar o que arrecadavam e gastavam. Em 1989, no confronto Lula vs. Collor, a regra foi essa: o estratosférico financiamento da campanha Collor foi quase todo subterrâneo, às escondidas do eleitorado. Na aparência, uma disputa equilibrada, mas completamente assimétrica na realidade.
Cristalizou-se ali o padrão que temos até hoje, de observação formal de uma legalidade ignorada. Todo mundo finge que obedece ao que dizem as leis, mas as adapta à sua maneira. Punida ou liberada, a contribuição empresarial às campanhas sempre existiu. Para alguns partidos, as grandes empresas doam sorrindo. Para outros, só quando são obrigadas.
A campanha contra o PT, iniciada na época do Mensalão e nunca interrompida, mostra o caráter disfuncional do arranjo que temos. Nele, o sistema politico se torna vulnerável às investidas de agentes corporativos com interesses próprios, especialmente no Judiciário e no Ministério Público. De acordo com suas antipatias e simpatias, inventam “culpados” e “inocentes”, apesar de todos agirem de modo igual. A defunta Lava Jato foi seu ápice e ruína.
A discussão sincera do financiamento da política é também dos limites entre governo e partidos, estabelecendo o que é legítimo na atuação administrativa e o que é subordinar politicas públicas a finalidades politico-eleitorais. Até que ponto um governante pode ir ao instrumentalizá-las? Até que ponto é livre para usar recursos da sociedade na busca de apoio e vantagens?
É inútil esperar que alguém como o capitão Bolsonaro modere seu apetite e considere que há limites éticos que não se pode transpor. Se depender dele, usará qualquer arma para se perpetuar no poder, como mostra o que aconteceu este ano com o Auxílio Emergencial e as discussões que suscitou. A questão é o que a sociedade pretende fazer para evitá-lo.
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