Lula e o dever de reconstruir a economia
"Convém prestar atenção à proposta de Lenio Streck para que Lula baixe uma Medida Provisória 'para resolver o problema do BC'", diz Paulo Moreira Leite
Banco Central e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: ABR | REUTERS/Adriano Machado)
Num país à procura de um caminho necessário e viável para uma reconstrução bloqueada pela taxa de juros a 13,75%, convém prestar atenção à proposta oferecida pelo jurista Lênio Streck em entrevista a TV 247 neste fim de semana.
Em depoimento a dois estudantes de Direito, Fabrizio Prado e Henrique Attuch, Lênio Streck fez uma proposta típica de quem é capaz de enxergar o mundo fora dos esquemas convencionais e busca soluções eficientes para resolver um drama que estrangula o futuro de um país que já abrigou uma das cinco maiores economias do planeta.
A ideia é, ao mesmo tempo, simples e poderosa. Lênio Streck sugere que, apoiado em sua legitimidade presidencial, recém referendada pelas urnas, Lula baixe uma Medida Provisória "para resolver o problema do BC", quebrando uma taxa de juros que "custa caro para a nação" e "é o dobro da inflação".
"É uma questão política, transcende o jurídico", disse o professor, com a autoridade de quem foi procurador por dezoito anos, organizou uma das mais importantes bancas de Direito do país e construiu uma reputação conhecida em grandes universidades do planeta.
Num país arruinado por uma herança terrível sob vários os pontos de vista, a soberania do voto popular garante a Lula uma legitimidade única, confirmada pelas pesquisas de opinião que mostram que a população já compreendeu o caráter maléfico dos 13,75%.
Conforme levantamento da Genial/Quaest, nada menos que 76% dos entrevistados consideram que Lula "está certo" em "tentar forçar" a queda da taxa de juros. Vamos registrar um ponto importante.
Não se falou em Lula "sugerir" ou "propor" a queda dos juros, como se o assunto estivesse sendo tratado num colóquio entre cavalheiros de gravata reunidos num fim de tarde, para uma conversa cordial num escritório elegante.
Nada menos que 3/4 dos brasileiros deram apoio a "tentar forçar" a queda de juros. Isso porque sabem que não é uma medida fácil e que haverá luta no caminho. Como é compreensível, uma maioria mais nítida se formou entre homens e mulheres de vida dura e renda mais baixa.
Desafiado pela tragédia das mortes provocadas pelas chuvas e desabamentos no Litoral Norte de São Paulo neste fim de semana, Lula confirmou sua grande forma política, mostrando-se capaz de unificar o país numa emergência terrível.
A questão econômica possui outra dinâmica mas é urgente, também, até porque envolve a construção do mandato presidencial, mal iniciado. Ao libertar a economia de uma taxa de juros que institui um sistema de servidão em benefício do sistema financeiro, o presidente eleito em segundo turno com 50,90% dos votos terá apoio de pelo menos 76% dos brasileiros e brasileiras.
Poderá reconstruir a atividade economica sobre novas bases, dando apoio a investimentos produtivos, primeira providência para uma sociedade menos desigual e injusta.
Num país onde 6 em cada dez famílias não tem alimento suficiente no fim do dia, e boa parte reside em cidades que não oferecem o mínimo de segurança para seus habitantes, como se viu em São Sebastião, pode ser um grande começo.
Alguma dúvida?
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
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